Coluna da Ouvidoria - Jogos duros

09/09/2013 - 14h40

Brasília - Na coluna desta semana, a ouvidoria leva o leitor de volta para os campos de batalha do Rio de Janeiro, que foi tema de uma coluna recente na qual se discutiu a reclamação de uma leitora carioca insatisfeita com os conteúdos de uma matéria produzida pela Agência Brasil sobre a manifestação no Palácio Guanabara no dia 12 de agosto [1].  Na semana passada, atendeu-se a outra demanda, desta vez sobre a cobertura das negociações entre os professores das redes municipais e estadual de ensino e o governo local. Qual a relação entre as duas demandas?

Na primeira, a reportagem foi criticada por confundir os motivos da manifestação, que, segundo a demandante, ocorreu “porque a polícia agrediu professores da rede estadual que reivindicavam melhores condições de trabalho”. A ouvidoria recebeu resposta da Diretoria de Jornalismo (Dijor) que não chegou a tempo de ser incluída na coluna, mas que merece ser divulgada, não só por respeito ao direito à resposta, mas também porque a resposta expõe as dificuldades que o repórter, trabalhando em condições semelhantes a uma frente de guerra, enfrentou para confirmar os fatos, além de defender a percepção dos fatos apresentada na reportagem.

A Dijor respondeu: "Agradecemos e registramos a sua reclamação. De qualquer forma estamos encaminhando para o seu conhecimento a resposta do repórter Vladimir Platonow sobre as reportagens que fez sobre a manifestação. Esclarecemos que foram três as matérias publicadas pela Agência Brasil sobre o assunto, no dia 12 de agosto: 'no dia em questão, no protesto no Palácio Guanabara, a imprensa foi mantida afastada, por grades colocadas em volta do palácio e devido à violência que estava acontecendo ao redor. Não foi colocado que havia uma reunião com os professores, embora houvesse esse comentário entre alguns jornalistas, porque não havia condições de segurança de se confirmar com fonte primária. Além disso, o foco da cobertura era o lado de fora do palácio, onde centenas de manifestantes estavam se confrontando com dezenas de policiais, com uso de pedras e rojões de um lado e bombas e balas de borracha de outro. O protesto desse dia, em frente ao Guanabara, não aconteceu porque professores foram expulsos/agredidos, pois a maioria dos manifestantes nem sabia desse fato, que só foi divulgado mais amplamente depois. O protesto, formado majoritariamente por integrantes da corrente Black Blocs, era contra o governador do Rio, Sérgio Cabral, e pedia ainda o esclarecimento sobre o sumiço do pedreiro Amarildo de Souza, entre outras pautas específicas.'"

A nova demanda, enviada pela leitora Fátima Aparecida Costa Veiga, também moradora do Rio, no dia 29 de agosto, traz o seguinte comentário: “Na greve dos professores no Rio de Janeiro, não houve acordo, apenas a assinatura de duas atas de reuniões. Acontece que tais atas estão muito evasivas e o colegiado dos profissionais da educação não se sentiu seguro para retornar diante daqueles dois textos cheios de lacunas. Agora, a prefeitura está jogando com ameaças e tentando colocar a classe dos educadores contra a sociedade através da mídia. Inclusive, o secretário municipal da Casa Civil declarou em redes sociais que não negocia mais com o Sepe (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação), não reconhece sua legitimidade. Isso é algo que fere até um principio constitucional. Infelizmente, a prefeitura do Rio é quem está dificultando o diálogo!”.

A Diretoria de Jornalismo respondeu que “a Agência Brasil tem acompanhado a greve dos professores do município e da rede estadual desde seu início, no dia 8 de agosto. Em várias matérias, ouvimos os dois lados, tanto os professores como a prefeitura. Veja os links [segue uma lista de links de 17 matérias]. Também foram publicadas fotos de manifestações dos professores em favor de suas reivindicações [seguem dois links]”.

Observa-se que a resposta da Dijor não atende ao que a demandante questiona. A reclamação se dirigiu não à parcialidade da cobertura, mas à utilização da expressão “acordo” para caracterizar o resultado das negociações entre o Sepe e a prefeitura do Rio. Segundo ela, a utilização dessa expressão, que foi reproduzida em várias matérias publicadas pela ABr sobre o assunto [2], constitui uma dentre várias táticas que demonstram má-fé da parte das autoridades municipais.

Para a leitora, o documento que o sindicato levou à assembleia da categoria para votação não foi um acordo entre o sindicato e o governo, mas uma proposta do governo. Esse argumento encontra respaldo no texto de uma das duas atas, disponível no site do Sepe, em que consta que se trata de uma “Ata da Reunião de Negociação entre a prefeitura do Janeiro e o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro…. [que] acordaram a seguinte proposta a ser submetida em assembleia a ser realizada no dia 26 de agosto” e que “a referida proposta foi elaborada pela prefeitura com o objetivo de encerrar a greve após sua aprovação na referida assembleia” [3].

Nas 17 matérias cujos links são citados na resposta da Dijor, a expressão “acordo” foi utilizada três vezes para se referir às atas das reuniões. As alternativas “ata” e “proposta” aparecem uma vez, cada. Nas outras matérias sobre o assunto, não citadas pela Dijor, “acordo” foi empregado seis vezes e “ata”, duas. O questionamento da leitora em relação à utilização da expressão é reforçado pelo fato de que em quatro dessas ocasiões - todas na mesma matéria - “acordo” aparece ou entre aspas ou acompanhado pelas palavras “em nota” ou “segundo a nota” para atribuir a expressão à prefeitura, indicando que, pelo menos neste caso, a repórter que produziu a matéria se dava conta de que naquele contexto o termo estava politicamente carregado [4].

Críticas feitas por representantes do Sepe em relação à posição do governo foram apresentadas em várias matérias, como no seguinte exemplo: “A coordenadora do Sepe no Rio, Suzana Gutierrez, disse que a greve continua porque as reuniões com a prefeitura não saem das promessas” [5]. Mas as denúncias não chegam a ser tão contundentes quanto as que foram feitas pela leitora ou pelo próprio sindicato em notícias publicadas no seu site. Em uma dessas notícias, Sepe rebate declarações da secretária de Educação municipal Claudia Costin, a entidade repete os argumentos da leitora, afirmando que “ata nunca foi acordo e qualquer interpretação em contrário é manipulação para desorientar a categoria”, e explica as diferenças nos papéis da direção e da assembleia do sindicato nas decisões da categoria. A notícia também denuncia a utilização da internet pelo governo numa tentativa de desacreditar o sindicato em relação aos profissionais da rede municipal e ao público em geral [6].

Essa diferença de discursos evidencia, dentre outras coisas, que as declarações feitas aos veículos da mídia por representantes sindicais – aliás, por dirigentes de qualquer associação da sociedade civil – nem sempre são o melhor espelho da posição da entidade, por um motivo simples. Se eles estiverem participando em negociações com o governo, sabem que o que falarem será ouvido pelo governo e interpretado como um passo no processo. Neste caso, seria interessantes às reportagens complementarem as declarações com conteúdos baseados no que os dirigentes falam para seus afiliados ou publicam nos seus portais, pois o governo raramente se preocupa com as mensagens transmitidas principalmente para os públicos internos.

As dificuldades na cobertura dos fatos relatados nas reportagens que provocaram as duas demandas, ambas questionando a abordagem dos fatos referentes ao movimento grevista dos professores cariocas, envolvem uma série de questões entrelaçadas, desde a confirmação das informações sobre os fatos a serem relatados, passando pela ambiguidade do discurso daqueles que participam dos fatos e são citados nas notícias, até a natureza complexa dos fatos em si quando eles sofrem a influência de mensagens divulgadas simultaneamente nos meios eletrônicos, especificamente nas redes sociais. Em relação a este último ponto, a percepção dos fatos em quase tudo que acontece atualmente no mundo “real” é complicada pela existência de uma “realidade paralela” que penetra cada vez mais no mundo “real”. Não é que esse fenômeno seja uma novidade total. Boatos (“notícias, sem confirmação, que circulam na boca do povo”) e propaganda sempre influenciaram o comportamento das pessoas. Mas atualmente os boatos estão muito mais próximos aos fatos e a propaganda mais direcionada a públicos-alvo específicos, desencadeando um trânsito mais intenso entre as esferas real e o virtual, que ao mesmo tempo em que atende uma grande variedade de interesses, torna a compreensão dos fatos mais difícil para todos nós, tanto os repórteres quanto os leitores. 

Boa leitura!

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-26/coluna-da-ouvidoria-integracao-de-conteudos
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-23/prefeitura-do-rio-e-professores-tentam-acordo-para-fim-da-greve
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-26/prefeitura-do-rio-diz-estar-surpresa-com-decisao-de-professores-de-continuar-em-greve
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-27/prefeitura-do-rio-e-professores-fecham-acordo-para-terminar-com-greve-da-categoria
[3] http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim273.jpg
[4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-28/prefeitura-do-rio-lamenta-“descumprimento-do-acordo”-assinado-com-sepe
[5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-28/prefeitura-do-rio-lamenta-“descumprimento-do-acordo”-assinado-com-sepe
[6] http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=4477