Filhos de militares perseguidos relatam sofrimento dos pais durante a ditadura

12/08/2013 - 23h02

Cristina Indio do Brasil
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - A emoção marcou os depoimentos de três filhos de militares nas comissões Nacional e Estadual da Verdade, hoje (12), no Auditório da Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (Caarj), no prédio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no centro da capital fluminense. Os pais deles sofreram perseguição política e tortura no período de ditadura militar (1964-1985). Segundo os três a pressão foi estendida às famílias.

Ainda em comum, eles contaram histórias de medo. Pedro Luiz Moreira Lima, filho do brigadeiro Rui Moreira Lima, disse que faz parte da “geração do medo”. Ele relatou que chegou a ser sequestrado para que o pai fosse preso. O brigadeiro foi perseguido por ter se negado a participar do golpe militar de 1964. " É uma dor profunda. A gente se emociona porque é a nossa história", disse.

O medo de Cláudia Gerpe Duarte era tanto que costumava até trocar as capas de livros. “Me lembro que um deles era de Nélson Werneck Sodré [militar que teve os direitos políticos cassados durante a ditadura], eu arrancava a capa e encapava de marrom, porque tinha medo que entrassem na minha casa e encontrassem o livro”, disse a filha do major-brigadeiro Fausto da Silveira Gerpe.

Cláudia declarou que o pai comandava a Base Aérea de Belém, no Pará, quando recebeu ordens da Aeronáutica para prender João Goulart, que ocupava o cargo de vice-presidente da República no governo do presidente Jânio Quadros. Segundo Cláudia, na época havia informações de que João Goulart, que estava fora do país quando Jânio renunciou, pousaria em Belém retornando do exterior para ocupar o cargo vago com a renúncia. “Papai respondeu que caso o vice-presidente fosse para lá [base], seria recebido com honras de Presidente da República, porque, de acordo com a nossa Constituição, ele era o presidente. O Exército começou a marchar contra a base aérea, bem como a Marinha. Papai, sentindo que poderia ocorrer uma carnificina decidiu se render com as seguintes condições: ficaria preso no Quartel-General do Exército e não no da Aeronáutica. Junto comigo e a minha mãe, embarcaríamos no dia seguinte, pela manhã, para o Rio de Janeiro com todos os nossos pertences”, disse.

Segundo ela, as condições foram aceitas e, depois de passar a noite no Quartel-General do Exército, os três embarcaram para o Rio. O pai ficou preso no Forte do Leme, zona sul do Rio. “Me lembro de ter ido visitá-lo várias vezes. Papai foi preso porque queria cumprir o que determina a nossa Constituição”, ressaltou.

Carlos Augusto da Costa, filho do coronel Dagoberto Rodrigues, que dirigia o Departamento de Correios e Telégrafos no governo João Goulart, também depôs e lembrou que uma das vezes em que esteve preso foi levado junto com a irmã ao quartel da Polícia do Exército, na Tijuca, zona norte do Rio. “A nossa casa foi invadida por agentes do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Nunca podia imaginar que ia acordar com um revólver [calibre] 38 na minha cabeça. Fomos levados encapuzados para o quartel da Barão de Mesquita. Perguntaram o que estávamos fazendo no Brasil”, disse.

De acordo com ele, depois disso, a família teve que se mudar para o Uruguai e que ao fazer uma viagem para o Brasil foi mais uma vez preso. “Eu não era participante de grupo armado e inventaram que, vindo do Uruguai, eu estava trazendo armas”.

Mas o medo também serviu para dar força. Carlos disse que alguns filhos das famílias perseguidas passaram a lutar e resistir contra a ditadura. “Nós éramos perseguidos, mas o medo se transformou numa forma contrária. Uma geração de luta. Nós todos lutamos”, disse.

Pedro Luiz Moreira fez questão de lembrar a participação das mulheres durante a ditadura. “A minha mãe, a mãe da Claudinha Gerpe e tantas outras sustentaram a dor dos maridos e dos filhos. O medo dos filhos reagirem em uma luta armada. Essas mulheres foram heroínas. Todas elas foram fantásticas porque tiveram que segurar a onda dos maridos e dos filhos”, destacou.

Na avaliação de Carlos Augusto, a Comissão Nacional da Verdade é uma oportunidade de mostrar uma parte da história do país. “As gerações merecem saber o que aconteceu. No exílio a gente conseguia lutar, mas aqui no Brasil só de abrir o olho era um perigo. É poder ter voz novamente”, disse.

Para Cláudia Gerpe, a comissão representa um avanço no país. “Tem que continuar da melhor maneira possível. Tem que abrir e continuar sempre”, defendeu.

De acordo com Pedro Luiz, a comissão é um meio de liberdade. “Pela primeira vez na história nós não estamos apavorados. Pela primeira vez eu estou podendo falar. Estou com 63 anos. A gente não falava. Tinha sempre de tomar cuidado. Cala a boca”, disse.

 

Edição: Aécio Amado

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