Militares punidos na ditadura criticam anistia

18/06/2013 - 23h38

Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Em sessão conjunta, a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro ouviram hoje (18) cinco militares da reserva que foram perseguidos, presos e torturados por resistir ao golpe de 1964.

O comandante da Marinha, Ferro Costa - que participou do gabinete do almirante Paulo Mário, o último ministro da Marinha do governo de João Goulart - foi preso e cassado após o golpe. Ele contou que a resistência à ditadura militar já ocorria antes do Ato Institucional 5 (AI-5), de 1968.

“Ficou cristalizada a ideia de que esse golpe foi uma salvação da democracia. Nunca se salva uma democracia com um golpe, é uma contradição. Além disso, [diziam] que nós éramos inimigos do Brasil, que os inimigos eram os comunistas, os legalistas, quando o verdadeiro inimigo do Brasil, que eles [governo militar] não combateram e que nós queríamos combater, era a miséria, o atraso e a desigualdade que grande parte do povo brasileiro estava mergulhada”.

Para ele, a anistia, concedida em 1979, beneficiou apenas os militares “criminosos, torturadores e assassinos” do próprio regime e foi uma farsa. “Os marinheiros foram massacrados porque não tinham família aqui. É preciso mostrar à exaustão os fatos. A anistia foi outra fraude, nós não merecíamos anistia, porque nós não éramos criminosos. Os verdadeiros anistiados foram os criminosos que mataram e esconderam corpos. Nós temos que ser reparados. Os militares legalistas [os que resistiram à ditadura] ficaram esquecidos”.

Outro militar que falou às comissões foi o coronel do Exército Bolívar Meirelles, que servia em Goiânia quando foi preso. De família tradicional do movimento de esquerda, foi um dos primeiros militares a ser cassado e depois atuou pela anistia na Associação dos Militares Cassados (Amic) e Associação Democrática e Nacionalista dos Militares do Rio de Janeiro (Adnam). É autor da dissertação Conflitos Políticos e Ideológicos das Forças Armadas entre 1945 – 1964.

“Eu acho importante para o Brasil, vir à tona esses torturadores, esses golpistas, serem nominados para que isso não aconteça mais no Brasil. Que a juventude tenha uma paz de sossego para poder amar, trabalhar, estudar, e jamais uma moça ser estuprada em um quartel, ser torturada, nem um homem também”.

Também prestaram depoimento hoje o coronel do Exército Ivan Proença, que era capitão e abortou uma missão com  o objetivo de massacrar estudantes; o marinheiro Antônio Duarte, que participou da resistência armada; e o marinheiro Oswaldo Araújo, que fez parte das mobilizações antes de 1964 e atuou na resistência ao golpe.

Membro da Comissão Estadual da Verdade, Eny Moreira, explica que o trabalho tem sido importante para ouvir a versão de quem estava nas Forças Armadas na ocasião do Golpe de 1964.

“É importante que a história registre que havia, mesmo naquela época, no ceio das Forças Armadas, militares dignos e honrados que se colocaram contra o golpe, que se colocaram em uma posição de não aceite à tirania”, disse.

Consultor do grupo de trabalho Perseguição a Militares da comissão nacional, o professor Paulo Cunha afirma que, proporcionalmente, os militares foram o grupo mais atingido pela perseguição da ditadura militar. “Então, são milhares de praças, centenas de oficiais, e um dado ainda não devidamente contabilizado, temos também dezenas, talvez centenas de policiais militares pelos estados. Uma parte deles já faleceu, outros estão literalmente desaparecidos, sem contato há muito tempo. Então, nós temos feito vários depoimentos, para nos aproximarmos de uma amostragem segura para a primeira parte desse trabalho”.

O trabalho do grupo começou com uma audiência pública, no dia 4 de maio, quando a Comissão Nacional da Verdade ouviu outros militares vítimas da ditadura. Durante a semana, mais militares que passaram pela mesma situação serão ouvidos em sessões reservadas.

Edição: Carolina Pimentel

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