Caso Panair abre debate sobre perseguição a empresas durante o regime militar

23/03/2013 - 19h08

Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - Audiência pública organizada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) discutiu hoje (23) o caso da companhia aérea Panair do Brasil. A empresa perdeu a licença para voar em 10 de fevereiro de 1965 e foi extinta pelo regime militar, sendo reabilitada em 1995.

O atual presidente da Panair, Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda, um dos sócios da empresa na época do fechamento, diz que somente após a criação da CNV e da Lei de Acesso à Informação foi possível conhecer documentos, antes considerados sigilosos, que comprovam a suspeita que se tinha sobre a perseguição política e financeira.

“Essa documentação provou o que se intuía, o que se comentava veladamente: Celso da Rocha Miranda e Mario Wallace Simonsen sofreram perseguição por parte do regime militar por serem identificados com os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Eram documentos secretos, todos acusatórios de Celso da Rocha Miranda, que posteriormente instruíram a Comissão Geral de Investigação do Rio de Janeiro, do Ministério da Justiça, num processo aberto em 1969, visando o enquadramento de Celso da Rocha Miranda no crime de enriquecimento ilícito”.

O jornalista e escritor Daniel Leb Sasaki, autor do livro Pouso Forçado, sobre a história da Panair, lembra que a empresa era a maior companhia aérea do Brasil na época, concessionária da maior parte dos voos internacionais e uma rede nacional muito grande, além de ter uma estrutura em terra que nenhuma companhia alcançou até hoje, com aeroportos e uma área de telecomunicações aeronáuticas privada.

De acordo com ele, a Panair recebeu por telegrama a notícia de que não podia mais voar e imediatamente foi paralisada, sem aviso prévio ou direito de defesa.

“O governo militar pressionou para que fosse decretada a falência. Uma falência em que não havia credores pedindo, não havia dívidas vencidas, todos os funcionários estavam em dia, a empresa tentou durante esses quase 50 anos se proteger juridicamente, pagou todos os credores, pagou até mais do que devia pagar, tem dinheiro até hoje, só que o governo militar publicou decretos modificando a legislação para que impedisse a reabilitação da empresa, porque ela não tinha porque não operar”.

A coordenadora do Grupo de Trabalho sobre o golpe de 1964 da CNV, Rosa Cardoso, explica que a audiência sobre a Panair inaugura a linha de investigação sobre a perseguição a empresas e empresários feita pelo regime militar.

“É muito valioso nós recordarmos porque mostra a extensão das violações de direitos à vida durante a ditadura. Violações que não se caracterizaram somente com assassinatos, sequestros, desaparecimentos forçados, tortura, mas também uma ação contra empresas e empresários que anteriormente haviam apoiado governos como o de Juscelino Kubistchek, como é o caso da Panair, e também João Goulart”.

De acordo com ela, vão ser chamados para uma reunião empresários e empresas que se sentiram perseguidos para montar os casos e iniciar as pesquisas no Arquivo Nacional e em outros acervos. Por enquanto, a comissão não tem nenhum outro caso concreto.

O coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, afirma que a comissão trabalha com duas linhas de pesquisa sobre as pessoas jurídicas na época da ditadura, que se complementam, para compreender que interesses sustentaram a perseguição a certas empresas e empresários e quem se beneficiou dessas práticas ilegais.

“Uma investiga as empresas e empresários que deram suporte material ao regime, financiando equipes de repressão, tortura, assassinatos, desaparecimentos em vários estados, tendo sido beneficiados. E uma outra linha sobre empresas e empresários que sofreram perseguições, intervenções do regime, como é o caso da Panair. Os motivos da perseguição podiam variar desde um possível alinhamento ideológico de esquerda até uma recusa em colaborar materialmente com o regime ditatorial. Tudo isso precisa ser trazido à luz pela Comissão Nacional da Verdade”.

Ressaltando a importância de se entender melhor a história do país, Pinheiro terminou sua exposição citando Milton Nascimento e Fernando Brant: “descobri que a minha arma é o que a memória guarda dos tempos da Panair”.

Amanhã (24), integrantes da CNC participam do ato público pelo Dia Internacional pelo Direito à Verdade sobre Graves Violações de Direitos Humanos, às 16h na Praça São Salvador, em Laranjeiras, na zona sul.

 

Edição: Beto Coura

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