Coluna da Ouvidoria - Quais são os referenciais de qualidade para comunicação pública?

26/11/2012 - 8h40

Brasília - A discussão sobre a qualidade da informação jornalística e seu papel na construção de uma sociedade democrática é recorrente e não data de hoje. Em diversas partes do mundo, pesquisadores têm se dedicado ao estudo do tema e ao desenvolvimento de metodologias que possibilitem sua avaliação. No Chile, a Universidade Católica desenvolveu o Valor Agregado Periodístico (VAP, sigla em espanhol), na Argentina, o Instituto de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica desenvolveu o Percepción de la Calidad Periodística (PCP, sigla em espanhol). No Brasil, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) realizou um projeto em parceria com a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi), o chamado Indicadores de Qualidade da Informação Jornalística, com o objetivo de propor instrumentos de medição de excelência e contribuir para o desenvolvimento do setor no país.

Uma das ações derivadas desse projeto foi a publicação, em janeiro deste ano, do livro Indicadores de Qualidade nas Emissoras Públicas - uma Avaliação Contemporânea [1], no qual os autores apresentam um conjunto de 188 indicadores para avaliar a qualidade das emissoras públicas. Para classificar esses indicadores, os autores utilizaram dez eixos: transparência de gestão, diversidade cultural, cobertura geográfica e oferta de plataformas, padrão público (democrático e republicano) do jornalismo, independência, interação com o público, caráter público do financiamento, grau de satisfação da audiência, experimentação e inovação de linguagem e padrões técnicos.

Vale ressaltar que os indicadores propostos no livro são qualitativos no sentido de medir o grau em que a empresa tem ou não certas características, em vez de registrar os valores numéricos associados a essas características. No exemplo apresentado pelos autores, pergunta-se: “Publicam-se balanços regularmente?” As respostas variam de “sim, com muita frequência” a “não”. Em alguns casos o grau também leva em conta comparações com outras empresas do mesmo ramo, como na pergunta: “Os equipamentos são avançados quando comparados às suas concorrentes ou similares”? A abordagem qualitativa oferece a vantagem de permitir a inclusão de características que não se prestam à mensuração estritamente quantitativa.

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que faz a gestão do Sistema Público de Comunicação, está atualmente em processo de elaboração dos indicadores que pretende utilizar. Enquanto se aguardam os resultados, o próprio desenrolar desse processo, que integra o planejamento estratégico da empresa, aponta respostas positivas a mais dois indicadores propostos no livro da Unesco: “A emissora e a sua mantenedora têm missão, valores, objetivos e visão que constam de um documento claro e oficial para orientar sua ação cultural? Esses fundamentos foram estabelecidos com envolvimento dos funcionários?”

O Planejamento Estratégico da EBC iniciou-se em janeiro de 2012 com vistas aos próximos dez anos. A primeira etapa foi dedicada à definição de missão, valores e metas, que servem para estabelecer a identidade de uma empresa perante seus stakeholders (partes interessadas ou públicos de interesse), que incluem, entre outros, acionistas, empregados, fornecedores, consumidores, concorrentes, órgãos reguladores, as comunidades onde a empresa opera e, no caso das empresas públicas, os órgãos governamentais aos quais elas prestam contas e o público em geral como contribuintes e cidadãos.

De acordo com o Relatório de Gestão do exercício de 2011, “a partir da explicitação da missão, visão de futuro, valores e princípios, será possível construir um mapa estratégico para orientar toda a empresa rumo aos seus objetivos, estabelecendo indicadores para a avaliação do cumprimento de metas, o que é essencial para uma administração moderna e eficaz” [2]. No Plano Estratégico, lançado em outubro deste ano, o indicador de desempenho é definido como um “instrumento formal de monitoramento e controle [que] serve, primeiro, para quantificar os resultados esperados de ações ou atividades necessárias ao alcance dos objetivos estratégicos. Segundo, é imprescindível para monitorar o desempenho desses resultados” [3].

Para o nosso leitor tomar pé a quantas anda esse processo, eis os indicadores de desempenho propostos pela equipe que está cuidando do processo de comunicação, marketing e relacionamento, que abrange vários dos temas adotados na classificação do livro: audiência dos veículos (TV e rádio), número de acessos às notícias publicadas no portal, número de acessos às notícias publicadas na intranet; percentual de participação dos empregados em campanhas ou eventos internos; percepção da empresa e seus veículos, associado ao conceito de comunicação pública, junto ao público externo e interno; e percepção do cidadão sobre a empresa e seus produtos. Pelo visto, teremos uma mistura de indicadores quantitativos e qualitativos.

O compromisso com uma informação de qualidade faz parte dos fundamentos conceituais e históricos da atividade jornalística e algumas características permanecem importantes por estarem baseadas nas concepções de verdade, liberdade, pluralidade, interesse público e cidadania, bem como no papel instituído para o jornalismo público. Sabemos das dificuldades envolvidas no exercício da atividade jornalística, como a constante corrida contra o tempo, bem como o caráter breve e eventual da notícia. No entanto, essa realidade é inerente à profissão e é pela capacidade de superar dificuldades para informar o público, com qualidade e em quantidade, que o jornalismo tem relevância social. Portanto, os empecilhos não justificam as falhas ao noticiar, ao contrário, é a partir de uma perspectiva consciente do jornalismo público que se pode exigir dos profissionais da área o aperfeiçoamento do seu trabalho com base em critérios de qualidade.

A credibilidade jornalística está diretamente ligada às críticas recebidas, uma vez que são fundamentadas justamente no valor da informação prestada e na constatação de que a qualidade é possível. Por isso acreditamos que a existência de referenciais que orientem a prática e a produção das informações seja um fator essencial na perspectiva de qualidade do jornalismo público. Essa referência pode guiar e motivar a reflexão dos profissionais da imprensa, embora não possa determinar a prática jornalística que, conforme já explicitamos, está condicionada por outros fatores, inclusive pela especificidade de cada meio de comunicação. A pretensão de qualidade não representa a transformação do jornalismo em outro gênero de conhecimento, sem as características de singularidade e efemeridade que tem, mas sim no reconhecimento de sua relevância para a sociedade.

Nessa busca por um jornalismo que atenda aos anseios da sociedade, consideramos que a melhoria da qualidade da informação jornalística faz parte de um processo de fortalecimento da democracia e que as questões aqui apontadas são indícios relevantes sobre como pensar o jornalismo público, diante das necessidades atuais. Portanto, acreditamos que a prática de um jornalismo de qualidade é possível, apesar dos problemas existentes, e um dos fatores importantes para avançarmos nesse sentido é a construção de um referencial de qualidade capaz de orientar o trabalho jornalístico e a produção de suas informações.


Até a próxima semana.

[1] Bucci, Eugênio; Chiaretti, Marco; Fiorini Ana Maria, Indicadores de qualidade nas emissoras públicas – uma avaliação contemporânea, Série Debates CI, Nº10 – Janeiro de 2012, Representação no Brasil da UNESCO http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002166/216616por.pdf
[2] Relatório de Gestão EBC – 2011.pdf
[3] http://planoestrategico.ebc.com.br/