Extrativista no Amapá diz que transporte para vender produtos é maior desafio

07/11/2012 - 8h29

Carolina Gonçalves*
Enviada Especial

Macapá (Amapá) – Há 15 anos anos vivendo da extração do açaí em um assentamento no município de Santana, no Amapá, a extrativista Egimênia da Conceição das Neves não hesita em declarar: “É o melhor negócio. É muito lucrativo para nós produtores”. No local, Egimênia divide, com outras três famílias, os ganhos com a produção que, segundo ela, chegam a 20 sacas por ano, comercializadas a R$ 60 reais cada.

A alegria da extrativista não esconde o sacrifício que esse retorno exige diariamente. São as águas do rio próximo ao assentamento que definem todas as manhãs o destino dessas famílias. “A nossa maior dificuldade é o transporte para vender. A gente trabalha de acordo com a maré e quando tiramos o açaí, de manhã, nem sempre a água está boa. Muitas vezes o rio seca”, contou.

O escoamento da produção é apenas um dos desafios diários dos mais de 300 mil extrativistas que atuam no país. Na região da Amazônia Legal, que abrange os estados do Amazonas, Amapá, Acre, de Mato Grosso, Rondônia, do Pará, de Roraima, do Tocantins e o oeste do Maranhão, concentrando grande parte desses produtores que dependem dos recursos naturais para sobreviver, os obstáculos são intensificados pelo isolamento e a distância das comunidades.

Ozias Silva viu o pai superar os problemas de escoamento e preferiu seguir outro caminho. Aos 18 anos, optou por estudar na capital do Amapá. Hoje é extensionista e orienta outros extrativistas. “Aqui, os extrativistas ficam com a produção embargada para tirar da floresta e chegar até os portos de embarque ou onde os carros podem levar a mercados e feiras. A gente percebe que o escoamento é uma grande dificuldade, mas também há muitas dificuldades no acesso à educação, saúde e comunicação”, relata.

A lista de obstáculos parece não respeitar limites territoriais e setoriais. E são esses os impedimentos apontados pelos próprios extrativistas que impedem o incremento da produção e, consequentemente, da renda. O governo tem mantido diálogo permanente com o segmento desde o ano passado, quando foi estabelecida uma agenda conhecida como Marajó, com a definição de estratégias para desenvolver o setor. Um ano depois, durante  encontro em que os extrativistas apresentaram novas demandas e antigas reivindicações, representantes do governo prometeram uma radiografia em 76 unidades de conservação onde vivem comunidades tradicionais.

O cadastramento vai completar informações de 40 famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Verde – que repassa R$ 300, trimestralmente, às famílias que contribuem para a conservação de áreas protegidas. Ele será comparado com outros bancos de dados do governo, como o do Bolsa Família, e usado na definição de políticas específicas para cada região e um Plano Nacional de Extrativismo no Brasil.

“Vamos lançar o cadastro para identificar como as coisas estão em todas as unidades do país, quem é quem, quais são os déficits de educação, de saúde, onde preciso ter energia elétrica, quais as atividades econômicas. Porque daqui a três anos, quando acabar o Bolsa Verde, tenho que ter alternativa de renda para essas pessoas e tenho que construir isso agora”, disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, descrevendo o que chama de “kit extrativismo”. Ela participou, em Macapá, do 3º Congresso Nacional das Populações Extrativistas.

A ministra alertou que é preciso criar uma nova lógica para essas áreas, destacando que algumas famílias passam até cinco dias em barcos para levar a produção até os locais de comércio, por falta de infraestrutura.

Ao reconhecer dificuldades na gestão das unidades de conservação, Izabella Teixeira explicou que por mais que sejam colocadas pessoas na ponta, é insuficiente o número de gestores públicos para lidar com o tamanho do problema e a grandeza de desafios. "Só em um parque, tenho 3,2 milhões de hectares. Ou eu trabalho com as populações que vivem no entorno dessas unidades e começo a construir uma base de dados, ou vou demorar muito tempo para chegar na ponta”.

Durante o evento, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, informou aos extrativistas, que continuam reunidos em Macapá até o próximo dia 8, que quase 1,5 mil produtores vão receber o certificado de Concessão de Direitos Reais de Uso. O documento, que vale como título provisório para áreas de assentamentos de extrativistas, beneficiará 445 moradores da Reserva Extrativista Cumuruxatiba, na Bahia, e 1.072 da Reserva Chico Mendes, no Acre.

“Esse certificado é a valorização e o reconhecimento da luta dos extrativistas que, muitas vezes, são empurrados para fazer as coisas restritas pelo agronegócio, pelas indústrias de exploração do pescado, do marisco e do caranguejo. Tudo isto nos escraviza no dia a dia”, contou Marli Lúcia da Silva Souza. Marli mora em uma reserva marinha extrativista em Bragança, no Pará, onde a regularização foi iniciada há sete anos. Isso garantiu, segundo ela, tranquilidade às famílias que dependem da pesca de peixes, ostras, mexilhão e do caranguejo.

*A repórter viajou a convite do Ministério do Meio Ambiente

Edição: Graça Adjuto