Integrante da Comissão da Verdade defende investigação de supostas violações contra índios

26/09/2012 - 7h17

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Membro da Comissão Nacional da Verdade, a psicanalista Maria Rita Kehl defende que existem indícios suficientes para justificar a investigação de denúncias de violação contra populações indígenas entre 1946 e 1988. “A comissão ainda está coletando os primeiros elementos para remontar o que de fato ocorreu nesse período, mas, aos poucos, fui percebendo que há um vasto campo de investigação de violações dos direitos das populações indígenas que, na época, eram consideradas mero obstáculo ao desenvolvimento”, disse Maria Rita, responsável por apurar supostas violações contra populações indígenas no período.

Ao citar algumas das antigas denúncias e relatos a respeito de abusos e crimes praticados contra os índios (principalmente após 1964, quando os militares tomaram o poder), Maria Rita adiantou que o “problema” da comissão é sistematizar e analisar todas as denúncias e informações produzidas ao longo das últimas décadas para tentar chegar à verdade.

“Estamos descobrindo mais coisas além das antigas denúncias. Acho, inclusive, que não vou dar conta de, em apenas dois anos, abarcar tudo. Até porque, também respondo [investigação] pela violação aos direitos humanos de camponeses. Acho que vou ter que escolher alguns casos exemplares para mostrar o que de fato aconteceu”, disse à Agência Brasil.

Entre as antigas denúncias que a comissão vai apurar está a acusação de que, no início da década de 1970, índios suruí, que viviam na região do Araguaia, no sul do Pará, foram forçados a ajudar o Exército na luta contra grupos guerrilheiros contrário ao regime militar e defendiam uma revolução socialista no país.

Em ocasiões anteriores, a Fundação Nacional do Índio (Funai) já manifestou, em notas, que como a região do Araguaia esteve “praticamente sob ocupação militar, por ocasião da Guerrilha do Araguaia, o Exército exigia a abertura de estradas 'operacionais'”, que cortavam ou passavam muito próximas ao território suruí. Assim, índios e camponeses acabaram sendo envolvidos no conflito. Em 2009, a Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, indenizou 44 camponeses paraenses (ou seus parentes) por terem sido torturados, mortos ou perdido as propriedades durante a ação dos militares contra a guerrilha.  

Maria Rita citou também as denúncias envolvendo os waimiri-atroaris, de Roraima. Em 2003, a Funai informou, em sua página na internet, que a etnia sofreu “grande redução populacional” durante os sete anos em que o 6º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército construiu a BR-174, rodovia que liga Manaus a Boa Vista.

Alguns estimam que 2 mil waimiri-atroaris morreram na época. No entanto, o número não é consenso. No livro É a Funai Que Sabe, de 1991, o antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Stephen Grant Baines diz que os dados estatísticos sobre a população waimiri-atroari eram “variáveis e contraditórios”, mas descreve os integrantes do grupo como “indivíduos cuja sobrevivência está sendo ameaçada […] pela ganância de empresas mineradoras” e por terem uma parte de seu território inundado por causa da Hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo (AM), inaugurada em 1989.

A denúncia de que os waimiri-atroaris vinham sendo “exterminados” também foi discutida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Reservas Indígenas, cujo relatório foi publicado em junho de 1978, em pleno regime de exceção. "Não foram poucas as denúncias formuladas nos depoimentos prestados nesta CPI, todas sobre invasões de áreas indígenas por posseiros e por grandes grupos chamados de 'agropecuários ou pecuários', sobre irregularidades praticadas pelas diferentes administrações da Funai e do extinto SPI [Serviço de Proteção aos Índios], sobre a violação de terras indígenas pelo traçado de rodovias e a violenta transferência de grupos tribais para áreas diversas de seu 'habitat' com o visível intuito de permitir aos não índios o acesso às melhores terras", aponta o documento da comissão, da Câmara dos Deputados.
 
“Logicamente, para escrever o relatório final da comissão [da Verdade] sobre todos esses episódios vou ter que checar todas as evidências”, concluiu Maria Rita, explicando que, além de se reunir com pessoas ou parentes de quem vivenciou os fatos denunciados, vai consultar documentos públicos, arquivos e se reunir com representantes de entidades que possam auxiliá-la.

Edição: Graça Adjuto