Coluna da Ouvidoria - Na velha corrida por audiência, como foi a cobertura da Agência Brasil no caso Eloá?

05/03/2012 - 13h55

Brasília - Ao contrário da mídia que trata o fato no ato de seu acontecimento, a atualidade de um assunto para a ouvidoria começa quando termina a cobertura de uma notícia. Somente após isso, a ouvidoria tem condições de analisar, de forma crítica e com o necessário distanciamento, o trabalho de cobertura feito pelos veículos de comunicação da EBC. É exatamente isso que faremos nesta coluna, ao analisar os dois momentos da cobertura da Agência Brasil no caso que ficou conhecido como ‘Eloá Pimentel: o sequestro da estudante pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves e o julgamento dele’. Nas duas ocasiões, o fato ocupou as manchetes dos principais veículos do país. No período de 2008 a 2012 a Agência Brasil publicou 19 matérias.

No episódio do sequestro que terminou tragicamente com a morte de Eloá Cristina Pimentel, a cobertura da mídia se estendeu de 13 a 17 de outubro de 2008, sem nenhuma interrupção de notícias sobre o assunto. Enquanto a Folha.com, por exemplo, veiculou 164 matérias, das quais 144, em 14 de outubro – um dia depois que o sequestro começou –, em 4 de novembro a Agência Brasil postou apenas 11 matérias. Agora, o mais interessante é que o auge da cobertura da Agência Brasil se deu entre os dias 18 a 23 de outubro, com duas matérias sobre a morte de Eloá no hospital; três matérias sobre a doação dos seus órgãos; uma declaração do então vice-presidente Jose Alencar abonando a atuação da polícia; uma nota do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), condenando a atuação da Polícia Militar (PM); uma matéria na qual jornalistas questionam o papel da mídia no caso; e duas matérias nas quais o  então ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, criticou a polícia e a mídia em discursos feitos em reuniões sobre direitos humanos e uma notícia sobre a audiência realizada na Câmara dos Deputados.

Ou seja, a cobertura da Agência Brasil começou um dia após o desfecho do caso, ainda assim de forma casual, porque foi tratado por ocasião de uma cobertura sobre o 2º Encontro de Professores de Jornalismo do Distrito Federal. Das 11 matérias publicadas, os assuntos de maior destaque foram duas entrevistas com Vannuchi, e três matérias sobre doação dos órgãos da estudante. No primeiro caso, o fato de a Agência Brasil centralizar sua cobertura em Brasília, priorizando, portanto, os discursos oficiais, fez com que ela, coincidência ou não, abordasse o fato sob outros ângulos. No segundo, embora o assunto tenha sido noticiado na Folha.com e Globo.com, a ABr deu maior destaque. Intencional ou não, o enfoque escolhido pela agência foi mais interessante do ponto de vista de políticas públicas. Sem contar que pode ter sido uma decisão editorial – a de concentrar neste aspecto e de não fazer a cobertura em si do sequestro.

Esse dado nós dá a impressão de que a Agência Brasil optou propositadamente em ficar fora da onda de espetacularização em que as emissoras, ao disputarem entrevistas com os três personagens principais do fato, transformaram um drama humano em um grande espetáculo, que passou a ser contado em capítulos durante quatro dias. Os assuntos que mais receberam atenção na cobertura da mídia – estado de saúde e depoimentos da Nayara (colega da Eloá), conversa da Nayara com a mãe da Eloá, opiniões da mãe da Eloá, a vida do pai da Eloá (foragido da PM de Alagoas sob a acusação de ter assassinado a ex-mulher e de ter pertencido a um grupo de extermínio), a atuação da PM (quem deu a ordem de entrar no apartamento, se ouviram ou não um disparo vindo do apartamento antes de invadir etc.) – já revelam os desdobramentos a que o público tinha direito, como um enredo de novela.

A cobertura da mídia ajudou a construir um cenário de reality show e que rendeu críticas severas à mídia em geral e provocou ainda uma ação do Ministério Público Federal de São Paulo, ajuizada no dia 1º de dezembro de 2008. Na ação, o MPF pede indenização de R$ 1,5 milhão  da Rede TV por utilizar imagem da menor sem autorização judicial e transformar o sequestro em um espetáculo midiático:

[...] a emissora cometeu ato abusivo, explorando, durante quase uma hora, no programa A Tarde é Sua a situação delicada e vulnerável em que se encontravam as adolescentes Eloá, sua amiga Nayara, e Lindemberg Alves, ex-namorado da primeira (doc. 12 – degravação), interferindo, indevidamente, em investigação policial em curso [...] Em conversa com o sequestrador, a apresentadora assumiu, ao vivo, nítida posição de intermediadora das negociações. O drama pessoal vivenciado pelos entrevistados foi transmitido sem nenhum respeito pela dor humana, relegando a ética a um plano secundário (Ação n° 2008.61.00.029505-0, Ministério Público Federal em São Paulo).

Para alguns, como é o caso do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a mídia quebrou o Código de Ética e extrapolou os limites em busca de audiência. O discurso foi proferido pelo deputado no debate sobre a participação da mídia em casos policiais, promovido, no dia 11 de novembro de 2008, pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Para ele, a mídia atrapalhou a ação da polícia e interferiu no desfecho do caso. A ação do MPF e a manifestação do deputado Ivan Valente reforçam a tese do professor José Arbex Jr. “de que a rapidez pelas informações, ainda que infundadas, é um dos mecanismos de disputa de audiência mais utilizados no país. Ora, em um mundo em que a informação existe em abundância para todos, tanto a rapidez como a eficácia na capacidade de obter uma informação exclusiva e disseminá-la adquiriram uma urgência dramática, acirrando ainda mais a competição entre os vários veículos de comunicação de massa. Ser mais rápido tornou-se uma demonstração de prestígio, de poder financeiro e político. É por essa razão que toda a produção da mídia passa a ser orientada sob o signo da velocidade [não raro, de precipitação] e da renovação permanente” (2001, página 88)¹.

Tudo bem que tratar um acontecimento de forma espetacularizada não contribui com o interesse público nem com os direitos do cidadão. Mas tratar o evento fora do contexto do seu acontecimento, como o fez a agência, só teria sentido se fosse para fazer uma análise da repercussão do fato, inclusive de alguns levantados por ela. Nesses episódios é fundamental que uma agência de caráter público traga para o leitor não só informações diferenciadas da grande imprensa, mas que aprofunde as discussões que nunca terão lugar na mídia privada. Uma boa opção seria trazer especialistas que falassem da própria condução da mídia nesse tipo de cobertura. Aí, sim, estaremos fugindo da lógica espetacularizante da mídia.

Durante o julgamento de Lindemberg Farias, que durou de 13 a 16 de fevereiro 2012, a cobertura da ABr se comparada à de outros portais, como o Folha.com, que publicou 64 matérias, foi discreta, factual e se limitou a registrar o fato ocorrido. A agência preencheu seu espaço sobre o assunto com poucas declarações públicas, pequenas notícias e manifestações já veiculadas pela mídia em geral, principalmente versões jurídicas e policiais. Só foi mais além quando entrevistou, já no dia 18 de fevereiro, o advogado da família de Eloá, Ademar Gomes, que chamou a atenção para a necessidade de regulamentação e controle da programação da televisão e outros meios de comunicação, e a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que falou da importância de uma maior atenção sobre atitudes dos filhos. Mesmo assim, o tom da ABr sobre o desfecho do caso Eloá foi ameno, burocrático e acrítico. Faltou investir no assunto. Faltou, por exemplo, repercutir o caso com o Conselho Tutelar, especialistas e juízes que lidam com a causa da infância e juventude, para aprofundar a questão do envolvimento de um rapaz que já tinha 18 anos com uma menina de 12 anos cujos pais consentiram o namoro.

A ABr não aprofundou o assunto, a não ser pela abordagem dada pela ministra Maria do Rosário, de Direitos Humanos, que comentou a situação, e pela declaração do advogado que trouxe para o cenário a discussão sobre a falta de controle e regulação na mídia. Enfim, faltou à ABr, como órgão público, ir além. Faltou reflexão, inclusive, sobre o papel da mídia nessa cobertura, já que o espírito crítico que deve estar presente no jornalismo público esteve vago e meio ausente. Faltaram engajamento e detalhamento crítico na abordagem noticiosa, perdendo uma grande oportunidade de ocupar um espaço para a reflexão sobre a violência, suas causas, a questão de gênero e a ausência do controle paterno/materno e do Estado na atenção a jovens. Para isso, bastava a ABr rememorar a discussão levantada por vários especialistas sobre o excesso da mídia na época do sequestro, bem como lembrar a ação do MPF que tramita até o hoje contra a Rede TV. Essa discussão, inclusive, foi usada como estratégia pela defesa de Lindemberg ao tentar “dividir” a culpa da tragédia com a imprensa e a polícia com o objetivo de diminuir a pena do réu caso fosse condenado, o que acabou ocorrendo.

Até a próxima semana.

1. ARBEX JR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo, Casa Amarela, 2001, página 88