Cineasta Tata Amaral traz ao festival de Brasília atualidade da discussão sobre as lembranças da ditadura com Hoje

29/09/2011 - 18h37

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Tratar de temas tão pesados como tortura, passado de guerrilha e embates com a ditadura em um encontro de amor. A cineasta paulistana Tata Amaral ousou nessa mistura de sentimentos em seu quarto longa-metragem, Hoje, que será exibido nesta quitna-feira (29), no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

O filme, que só deve chegar aos cinemas no próximo ano, conta a história da ex-militante Vera, interpretada por Denise Fraga. Ela recebe uma indenização do governo pelo desaparecimento do companheiro, interpretado pelo ator uruguaio Cesar Troncoso, de O Banheiro do Papa. Com a indenização, Vera compra um apartamento e, durante a mudança, o marido reaparece.

É nesse apartamento que os sentimentos se misturam: o de mudança e o de volta ao passado. O amor, a revolta e a tristeza pelas torturas vividas na ditadura. "A síntese do filme, na verdade, é essa. Ela não quer lembrar. Mas para ela seguir em frente é obrigada a lembrar. Isso tem a ver com nós, brasileiros, de certa forma. A gente não quer se lembrar do nosso passado, no qual pessoas eram torturadas por seus ideiais. A gente quer esquecer. A gente anistiou a todos", observa a diretora.

Tata dirigiu filmes como Um Céu de Estrelas, Através da Janela e Antônia. Esse último se desdobrou em uma série para televisão. Ela comenta que Hoje talvez seja seu filme mais intimista. "Ele até dialoga com Um Céu de Estrelas e Através da Janela. Antônia foi um filme mais feito para a rua", compara.

"Hoje é um encontro de amor e é um filme de muita sutileza. O filme se passa em um apartamento e tem um certo suspense sobre o que está acontecendo ali. Esse é um primeiro sentimento. Depois, tem um sentimento de emoção, de recusa. As personagens não querem se lembrar do passado. Há essa figura que volta aí, meio ameaçadora. Há uma confusão muito grande de sentimentos", destaca.

São exatamente os sentimentos opostos e os vestígios dos anos duros no Brasil que dão atualidade ao filme. Em um tempo em que ainda se discute a criação de uma Comissão da Verdade para apurar crimes de tortura cometidos durante a ditadura, em que há um apelo pela abertura mais ampla dos arquivos desse período, Hoje propõe um contato face a face com a tortura.

"Há um personagem que é um ex-guerrilheiro, que ele fala, ele diz: nós fomos todos torturados, presos ou mortos por nossos crimes de guerrilha, de lutar por nosso ideal ou mesmo pelo crime de guerrilha. Mas não há nenhum torturador que tenha ficado um segundo sequer na cadeia. São questões do passado, mas que ainda são muito atuais. Por isso, o filme se chama Hoje. Na verdade, o Brasil não resolveu seus problemas", pondera Tata.

Apesar de apontar o sentimento quase coletivo de tentar esquecer o período da ditadura, Tata Amaral chama a atenção para a importância de encarar o problema da lembrança de frente. "Eu acho que a gente não deve esquecer nunca. O que se deve fazer é resolver. Se a gente só esquecer, não adianta, porque volta. Só funciona por um tempo, depois volta. Tanto é que, até hoje, se tortura no Brasil". E completa: "Até hoje o Brasil pratica tortura nas prisões. Não como antes, mas é tortura contra pobre, contra negros, contra pessoas que a polícia acha que são bandidos".

Edição: Lana Cristina