Defensoria Pública da União oficia Marinha para saber motivo de problemas de saúde em aspirantes

22/08/2011 - 20h28

Vladimir Platonow e Carolina Gonçalves
Repórteres da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Representantes da Defensoria Pública da União estiveram na tarde de hoje (22) no Hospital Naval Marcílio Dias, onde conversaram com sete dos 57 aspirantes a fuzileiros navais internados desde a semana passada com problemas de saúde. Os jovens passaram mal após treinamento no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves (Ciampa), na zona oeste da cidade.

O órgão decidiu emitir ofícios à Marinha pedindo informações sobre o que exatamente ocorreu no centro de instrução da Força. “A Defensoria Pública da União instaurou um procedimento administrativo para averiguar acerca dos 57 recrutas que aqui [no hospital] estão [internados]. Visitamos sete, sendo um em estado mais grave. Eles foram uníssonos quanto à falta de água, dizendo que, em dado momento, tinham de se socorrer com água da bica. No que toca aos exercícios, nada falaram sobre isso”, relatou o defensor Daniel Macedo.

A causa do problema ainda não está definida, mas, segundo o defensor Andre Ordacgy, após conversa com médicos do hospital, o diagnóstico preliminar está apontando para um quadro viral causado por gripe influenza tipo B. “A doença que eles todos tiveram está apontando, em princípio, para um vírus de aspecto mais gripal, da influenza. Ainda depende de exames que estão sendo feitos e demoram alguns dias para sair. Então não dá para dizer exatamente o que causou isso. A apuração está levando para um caminho que não seja o da exaustão física”, disse Ordacgy. A diretoria do hospital informou ainda aos defensores que existe a expectativa de dar alta, ainda hoje, a 40 jovens, que retornariam para o centro de instrução.

Sem notícias do filho, de 20 anos, que deixou a cidade natal no último dia 2 de agosto, para participar do curso de formação de fuzileiros navais, no Rio de Janeiro, a mãe de um dos jovens, que preferiu não se identificar, relatou à Agência Brasil a sua preocupação quando leu as notícias sobre a internação de 57 rapazes que também realizavam o treinamento.

“Até o dia 7 de agosto a gente estava se comunicando. Ele disse que o curso começaria no dia 8 e que teria que desligar o celular. Quando soube do problema, eu comecei a ligar para hospital [Hospital Marcílio Dias]. Procurei tudo quanto é número pela internet. Isso só vaza para a imprensa porque eles têm que comunicar para a Secretaria de Saúde por ser doença infecciosa”, disse.

Ela também contou que só teve contato com filho no começo da madrugada de domingo (20), quando recebeu uma mensagem pela internet. “Meia-noite e seis, de sábado para domingo, recebi uma mensagem dele”.

Hoje, depois de confirmar, pelo serviço de internação do hospital, que o filho não está na lista dos internados, e após várias tentativas de contato com a Marinha, ela recebeu um telefonema de um representante da Força garantindo que o filho está bem.“Eu quero falar com meu filho. Estava tranquila e ai aconteceu tudo isso. Como vou continuar tranquila agora? Sou mãe!”, disse.

Outra mãe que, há pouco mais de 20 anos passou por uma situação ainda mais grave. Agora, ela manifesta solidariedade aos parentes dos jovens. Em outubro de 1990, Carmem Laponte soube que o filho, de 18 anos de idade, tinha morrido. Ele fazia o curso de cadete na Academia Militar das Agulhas Negras. A causa da morte: meningite. Ela, no entanto,a decidiu apurar o caso e descobriu que o filho, Márcio Lapoente Silveira, passou mal durante um treinamento, mas, ao pedir para descansar, foi humilhado aos gritos pelo comandante do pelotão, recebeu chutes de coturno na cabeça e depois, inconsciente, foi exposto ao sol por três horas.

“Perdi meu marido há dois anos e meio e tenho um filho [portador de necessidade] especial. Se tivesse o outro [filho] em casa, que estaria com quase 40 anos hoje, estaria mais tranquila. Eles não sabem que um jovem deste tem família?”, disse.

Carmen Lapoente alerta aos parentes dos aspirantes a fuzileiros que é preciso vencer medos e denunciar. “Entre todos os oficiais que torturaram e mataram meu filho, só um foi processado e condenado por maus-tratos, o que é muito pouco! Mas pelo menos conseguimos que fosse condenado! A gente tem que ver se consegue que os próprios jovens denunciem e deem nomes. Por que as pessoas não levam adiante? Porque não tem nomes”, lembrou ao falar de uma família do Rio Grande do Sul que perdeu um filho em treinamento e não conseguiu levar a denúncia adiante porque não conseguia testemunhas.

O caso do cadete Márcio Lapoente é um dos 23 registros de tortura e maus-tratos relacionados pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro. Na lista ainda estão relatos como o da morte do aluno Eduardo Ferreira Agostinho, de 19 anos, na Escola Naval do Rio de Janeiro. Durante uma corrida, sob sol forte, Eduardo desmaiou e entrou em coma. Mesmo depois de ter ido à enfermaria, uma hora antes, o aluno foi obrigado a retornar aos exercícios e morreu com mãos e pés com bolhas de queimaduras provocadas pelo asfalto.

No mesmo ano, também no estado do Rio de Janeiro, Samuel de Oliveira Cardoso, 17 anos, deixou o Colégio Naval, depois de ser espancado por parte dos alunos mais velhos, que, segundo relatos, eram considerado “praxe no Colégio Naval”.

A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra ainda citou outros casos de coações físicas e psicológicas durante treinamentos, como em 1993, quando foi divulgada pela imprensa uma gravação em vídeo que mostrava soldados do Exército sugando o sangue de galinhas mortas.

“Os parentes ficam com medo e não levam adiante essas denúncias, mas a gente tem tido informação de casos, não só de pessoas que baixam em hospitais, mas de mortes também em treinamentos militares. Esse negócio dos fuzileiros, mais dia ou menos dia, vai estourar porque os treinamentos militares continuam apelando para tortura, para humilhação, para castigos cruéis e degradantes”, disse Cecília Coimbra.

O Comando do Primeiro Distrito Naval, que está concentrando as informações sobre o caso, foi procurado pela Agência Brasil. A única resposta, apresentada em um e-mail, diz: “Ainda não temos um posicionamento sobre entrevistas. As informações estão sendo divulgadas no site www.com1dn.mar.mil.br”.

 

Edição: Aécio Amado