Escolas de música precisam estimular a intuição dos alunos, diz músico alagoano

02/07/2011 - 12h13

Pedro Peduzzi e Alex Rodrigues
Repórteres Agência Brasil

Brasília - Mais que meras sete notas representadas em uma pauta, música é intuição. Algo que para o compositor e multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal, conhecido mundialmente pela originalidade de sua obra, é pouco estimulado nas escolas e em faculdades de música. Autodidata, ele acha que a excessiva ênfase no ensino de padrões só serve para que alguns professores ganhem dinheiro.

“Eu mesmo sou 99,5% intuitivo. Só fui aprender teoria musical quando tinha mais de 40 anos”, contou Hermeto, em entrevista à Agência Brasil. “O problema é que os professores também não aprenderam assim, partindo da intuição. E se não aprenderam, como é que eles vão ensinar? E muitos deles têm menos percepção musical que os alunos. Têm experiência, mas sentir a música, que é bom, eles sentem muito pouco”, comentou o músico experimentalista, para quem o mestre tem que ter humildade de aprender com o aluno.

Segundo o músico, que completou 75 anos no último dia 22, quem tenta entender primeiro a teoria musical acaba “se embaralhando”. “A teoria é apenas um papel no qual você escreve aquilo que sente. A conversa é que todo mundo pode aprender música. Isso não é verdade”, acrescentou o alagoano, que, no início da carreira, chegou a ser transferido da rádio em que trabalhava por um diretor que dizia que ele não tinha talento para tocar outra coisa que não o pandeiro.

Sustentando que a “harmonia é a mãe da música”, Hermeto defende a primazia da sensibilidade sobre a técnica. E defende que o talento está sim relacionado ao bom gosto musical. “Só que gosto não se aprende na escola. Ou se nasce com ele ou não. Ensinar padrões como as escolas de música ensinam é somente para ganhar dinheiro. Não é para ensinar música”.

TEMPLO DO SOM - Já o músico e empresário do setor Marcelo Barbosa enfatizou que não é assim tão simples ganhar dinheiro com escolas de música. “Esse é o tipo de coisa que, para ser bem feita, precisa de turmas muito pequenas. De preferência, aulas individuais. Só que isso requer um grande número de professores. E, além dos custos, é muito difícil conseguir bons professores em quantidade.”

Dados da Central de Apoio às Escolas de Música (Caem) indicam que há, catalogadas, 6.120 escolas de música no país, ensinando a disciplina para 294.640 alunos. Não há, no entanto, estimativas sobre quanto dinheiro o setor movimenta.

Hermeto contou que tem um projeto de montar sua própria escola de música. O nome já foi escolhido: Templo do Som. Nela, só serão aceitos candidatos cuja aptidão tenha sido comprovada durante as audições. Ele disse ter contatado várias empresas e que o projeto estava “bem embalado”. “Mas aí vem toda essa confusão de política e [as pessoas] acabam mudando as ideias”.

Hermeto disse acreditar no caráter multidisciplinar da música, ainda pouco aproveitado pelos currículos escolares. E assinalou que, indiretamente, já faz isso com a música que compõe. “O mundo é uma matemática. Mas é a matemática de Deus. Não essa matemática premeditada que tem por aí, com o 'saber' na frente do 'sentir'. É matemática igual à [da engenharia] usada pelas formiga para construir um formigueiro; igual à dos pássaros que, sem relógios, cantam todo dia na mesma hora, pouco antes de dormir."

Edição: João Carlos Rodrigues

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