Anastasia defende redefinição do pacto federativo para distribuir melhor recursos arrecadados pela União

19/04/2011 - 7h11

Vitor Abdala
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - À frente do governo há um ano, já que, como vice-governador, assumiu a vaga deixada por Aécio Neves em abril de 2010, Antonio Anastasia comanda o estado com a terceira maior economia do país, a segunda população (19,6 milhões de habitantes) e o maior número de municípios (853).

As prioridades do governo Anastasia, que são chamadas de “obsessões” pelo próprio governador, são a geração de empregos de qualidade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais. Segundo o governador, Minas Gerais já superou cinco Metas do Milênio das Nações Unidas, em 2008, e, por isso, está conversando com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para que sejam confiadas novas metas ao estado.

Em entrevista à Agência Brasil, Anastasia também pede uma redefinição do pacto federativo com uma descentralização maior dos tributos, a fim de que estados e municípios possam ter acesso a uma fatia maior dos recursos públicos nacionais. Como um importante polo de produção mineral (com mais de 40% da produção nacional), Minas Gerais também pede atenção especial aos royalties do minério que hoje seriam “muito aquém do justo” para o estado.

Quanto ao governo federal, Anastasia diz que vem mantendo uma relação “respeitosa e republicana” com a presidenta Dilma Rousseff e que tem certeza de que haverá “boa cooperação” entre os dois entes federativos, em especial nas políticas sociais. No entanto, o governador mineiro não poupa críticas ao governo federal ao falar sobre a BR-381, conhecida no estado como Rodovia da Morte. Segundo ele, a União tem dado “prioridade zero” à duplicação da rodovia.

Agência Brasil - O senhor, na verdade, já está há um ano no governo, pois, como vice-governador, assumiu a vaga deixada pelo governador Aécio Neves no ano passado. Mas como estão sendo esses primeiros meses de sua administração, depois de ser efetivamente eleito governador?
Antonio Anastasia - Nesse período, tivemos como foco implantar os compromissos traçados em nosso plano de governo. Em especial, na questão social, com o lançamento dos novos projetos sociais que serão incubados na Oficina de Travessias e implementados nas cidades com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Minas Gerais, como o programa Professores da Família. Apresentamos, ainda, metas e compromissos para os Acordos de Resultados para 2011, que já é uma tradição do governo de Minas. Lançamos, ainda, um novo projeto, chamado Minas em Movimento, que é o grande esforço que estamos fazendo a fim de chamar a sociedade mineira para participar conosco do governo, por meio de sugestões, opiniões e ideias em um site. É um projeto que prevê as melhorias em indicadores de Minas Gerais até 2030, porque temos que fazer um planejamento não só desses anos, mas do futuro.
 
ABr - Quais são as prioridades de seu governo?
Anastasia - Venho dizendo que nossa grande obsessão é a geração de empregos de qualidade, que é a forma mais eficiente de consolidar os avanços econômicos e sociais de um governo. Estamos atentos às oportunidades de cada região de Minas Gerais, no intuito de criar zonas de desenvolvimento regional. Paralelamente a isso, empreenderemos esforços no sentido de garantir que os produtos do estado saiam daqui com valor agregado. Isso vai ao encontro da nossa busca pela redução das desigualdades regionais, o que, naturalmente, também se desdobra em melhorias na educação, na saúde e na segurança pública.
 
ABr - Em sua posse, o senhor deu muita ênfase ao combate às desigualdades no estado. Quais os projetos para reduzir essas desigualdades?
Anastasia - As desigualdades são um fato histórico em um estado continental como Minas Gerais e todas as ações de governo convergem para nossa outra obsessão, que é diminuir essas desigualdades, garantindo mais qualidade de vida para as famílias que moram em todas as regiões. Em março, entregamos um documento ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) solicitando que sejam confiadas novas Metas do Milênio para Minas Gerais. Essas metas, sete no total, foram pactuadas com a Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de reduzir a pobreza extrema no mundo e estão consolidadas no documento Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. As metas foram pactuadas em 2000, por 191 países – entre eles o Brasil –, para serem cumpridas até 2015. Minas superou cinco metas já em 2008. Agora, a ONU e o governo de Minas trabalham em parceria para, em cinco meses, definir as novas metas, que também deverão ser cumpridas até 2015. Mais recentemente, lançamos a Oficina de Travessias, que é uma incubadora social. Nessa oficina, treinamos os Professores da Família e as equipes que já estão trabalhando em outro projeto fundamental para Minas: o Porta a Porta. Nosso objetivo é elaborar um diagnóstico preciso das principais dificuldades sociais das famílias que vivem em municípios pobres do estado. Mais de 26 mil questionários foram aplicados e as informações recolhidas vão contribuir para orientar nossas políticas públicas na área social. Teremos outros projetos sociais robustos, sólidos, com bons resultados, e que colaborarão muito para a diminuição das desigualdades sociais em toda Minas Gerais.

ABr - Minas Gerais tem alguns problemas de infraestrutura, como a malha metroviária antiga e com poucos investimentos de Belo Horizonte e as rodovias mineiras que costumam ter muitos acidentes. Ao mesmo tempo, Minas é um importante estado produtor de minérios. O que o estado mais precisa em termos de infraestrutura?
Anastasia - Temos o objetivo de fazer de Minas Gerais o estado logístico do Brasil, com uma rede de transportes integrada e livre de estrangulamentos, de modo a fortalecer nossa economia e aproveitando, inclusive, nossa posição privilegiada. Nas rodovias estaduais, temos realizado ao longo dos últimos anos um grande trabalho para a sua recuperação. E temos conseguido. No passado, as rodovias estaduais estavam em estado lastimável. Hoje, há uma melhoria clara em todas as regiões do estado. Com o programa ProAcesso, levamos asfalto a 219 municípios mineiros aos quais só se chegava por estradas de terra. Criamos, ainda, o ProMG, com objetivo de recuperar e manter em boas condições de trafegabilidade as estradas estaduais, o que foi feito em 12 mil quilômetros. Mas, naturalmente, isso é um processo contínuo. Iniciaremos agora um novo programa, chamado Caminhos de Minas, com objetivo de interligar regiões, com financiamento do Banco Mundial. Serão mais 6 mil quilômetros a serem asfaltados e ligando as regiões de Minas Gerais, o que vai facilitar o escoamento da nossa produção e melhorar a mobilidade das pessoas em todos os aspectos. Temos, por outro lado, grandes estradas federais, em regra, com condições bem piores do que as estaduais. Algumas em obras de duplicação, mas, a prioridade zero, digamos assim, que temos em Minas Gerais - e temos dito isso publicamente ao governo federal - é a duplicação da BR-381, essa que é denominada tristemente como Rodovia da Morte. E, da mesma forma, temos outras pendências, como o Anel Rodoviário de Belo Horizonte, em condição lastimável. Outro ponto fundamental é a ampliação do metrô de Belo Horizonte, também de responsabilidade do governo federal. Já apresentamos uma proposta de parceria público-privada (PPP) para o metrô, mas não tivemos um posicionamento, uma resposta da União sobre o nosso projeto.

ABr - Na saúde, até pelo tamanho do estado, faltam hospitais de alta complexidade no interior para atender à população, o que sobrecarrega Belo Horizonte. Além disso, há o problema da dengue aqui no estado. Como resolver esses problemas e quais são suas prioridades na área de saúde?
Anastasia - Em relação à dengue, no primeiro trimestre do ano, o número de casos em Minas Gerais caiu 81% em comparação ao mesmo período de 2010. Essa queda é resultado da ação da Força-Tarefa de Combate à Dengue, que criamos em parceria com as Forças Armadas, os municípios e a sociedade. A força-tarefa atua nos municípios com maior índice de infestação do mosquito transmissor da doença [Aedes aegypti]. Entre as várias ações desenvolvidas, estão sendo trocados pneus, latas e garrafas de plástico por cadernos, lápis e borrachas, sacos de leite e produtos de higiene. Essa é uma forma de mobilizar a sociedade a participar e a entender o risco que representa ter em casa utensílios que possam acumular água, uma vez que se tornam focos do mosquito da dengue. Sobre a saúde no interior do estado, o primeiro ponto é investirmos na chamada atenção primária, que englobe o Programa Saúde da Família, no qual temos o maior número de equipe de Saúde da Família do Brasil, e as unidades básicas de saúde. No meu governo e no governo Aécio Neves, construímos quase 1.700 dessas unidades. Essa atenção primária pode resolver muitas demandas que chegam aos hospitais, aquelas sem urgência e de menor gravidade. Atendendo ao início da demanda, vamos poder desafogar os grandes hospitais. Estamos construindo hospitais em todo o estado. Em Uberlândia, inclusive, inauguramos recentemente um de grande modernidade. Assim, vamos criar uma grande rede de atendimento, cumprindo nosso objetivo de fortalecer a regionalização da saúde em Minas Gerais.
 
ABr - Há um problema em Minas Gerais: muitos municípios ainda não têm aterro sanitário. No interior, o lixo não tem tratamento correto. Como o senhor pretende atuar nessa questão?
Anastasia - Na área de meio ambiente, está entre as prioridades do governo de Minas o tratamento e a destinação correta do lixo. Por meio do Projeto Minas sem Lixões, conseguimos reduzir em 40% o número de lixões nos últimos oito anos. Ao mesmo tempo, o número de aterros sanitários aumentou 500% e as usinas de triagem e compostagem em 300%. Mais da metade da população urbana do estado são atendidas por sistemas adequados de disposição final de resíduos sólidos. Em 2003, o percentual era 17%. O resultado coloca Minas entre os líderes de disposição adequada no Brasil. São cerca de 8,5 milhões de habitantes beneficiados. Somente em 2010, 96 lixões foram erradicados em Minas. Nossa meta é, até o fim deste ano, atingir a marca de 60% da população beneficiada com tratamento adequado do lixo.
 
ABr - Quais os principais desafios na educação?
Anastasia - A educação mineira é uma das melhores do Brasil. Avançamos muito nos últimos anos e temos, inclusive, o reconhecimento do governo federal. Em 2009, quando o Ministério da Educação (MEC) mediu pela última vez a qualidade do ensino, os alunos mineiros dos anos iniciais do ensino fundamental tiveram o melhor desempenho do Brasil, com Ideb de 5,8. A meta do MEC é que as escolas públicas de todo o país atinjam o índice 6 em 2020, e Minas já está muito próximo de chegar a esse patamar. Estamos iniciando, agora, um projeto inovador, que é o programa Professores da Família. Por meio das informações da Secretaria de Educação, vamos encaminhar o Professores da Família à casa do aluno que não está apresentando um bom rendimento para checar o que está acontecendo. E não só para dar aula de reforço, mas também para motivá-lo, para perceber onde está a fragilidade dele ou da família e ter condições de reverter esse quadro. É algo revolucionário que estamos fazendo na educação, porque ao mesmo tempo motiva a participação da família, e sabemos que sem a família não é possível uma educação de qualidade, levar conhecimento técnico à casa do aluno. Esse programa é mais um avanço na educação em Minas. Fomos o primeiro estado a trazer as crianças para as salas de aula aos 6 anos de idade. Concedemos um importante reajuste salarial a mais de 300 mil servidores da educação, que entrou em vigor em 1º de janeiro, com impacto de R$ 1,3 bilhão anual. O pagamento também passou a ser feito em parcela única, incorporando ao salário base todas as gratificações, vantagens adicionais e abonos. Atualmente, nenhum professor com 24 horas semanais de trabalho ganha menos de R$ 1.320. Os investimentos em transporte escolar aumentaram em mais de 60% para atender nossos alunos que moram na zona rural de forma mais adequada. Temos grande atenção, ainda, com o ensino profissionalizante. Em março, inclusive, firmamos parceria com a Vale para criação de mais de 30,9 mil vagas no Programa de Ensino Profissional (PEP) e, assim, ultrapassaremos as 200 mil vagas disponíveis para nossos jovens que precisam de capacitação de qualidade para entrar no mercado de trabalho.
 
ABr - Minas Gerais não é um estado que tem os maiores índices de criminalidade e, inclusive, tem mostrado queda dos indicadores desde 2003/2005, período que apresentou um pico de crimes violentos. No entanto, ainda não conseguiu voltar a patamares da década de 90. O que tem sido feito e o que será feito para diminuir os crimes no estado?
Anastasia - Minas é o estado que mais investe em segurança, e os números expõem isso de forma clara. Hoje, o efetivo das forças de segurança supera os 60 mil homens. Em 2003, esse número não chegava a 50 mil. Também reforçamos a estrutura das corporações. A frota, por exemplo, passou de 7 para 17 mil viaturas. Aumentamos os investimentos no sistema prisional, que hoje conta com 25 mil vagas, cinco vezes mais que em 2003. Atualmente, há em Minas Gerais uma política de integração das ações das polícias Civil e Militar que é modelo no Brasil. A integração significa que as duas instituições, cada qual com a sua cultura, com a sua competência constitucional e atribuições, vão trabalhar lado a lado, integradas com o mesmo objetivo, que é o combate à criminalidade e a segurança da população mineira. Esse é um projeto bem-sucedido, mas não concluído. Trata-se de um processo que será permanentemente aprimorado. Essas iniciativas estão sendo colocadas em prática ao lado de ações de prevenção da criminalidade, em especial junto aos jovens, focadas no combate ao uso de drogas. Gosto sempre de citar o Fica Vivo!, um programa revolucionário que vem transformando a realidade de diversas comunidades. O Fica Vivo! é dirigido a jovens de 12 a 24 anos, moradores de áreas de elevado índice de crimes violentos. Criamos espaços onde são atendidas as demandas dos jovens e onde é feito o acompanhamento pelos chamados “oficineiros”. Conseguimos reduzir em mais de 50% os índices de homicídios nessas áreas. Inclusive, recentemente, em relatório do Banco Mundial, tivemos a felicidade de ver o programa Fica Vivo! apontado como exemplo a ser seguido mundialmente.

ABr - Como está sendo a relação com o governo federal e a presidenta Dilma Rousseff? Ser de um partido de oposição (PSDB) prejudica?
Anastasia - A relação vem sendo como o esperado: respeitosa, republicana, baseada em questões administrativas. Isso faz parte da estrutura federativa brasileira. Tenho certeza que haverá uma boa cooperação e já oferecemos, inclusive à presidenta Dilma, que Minas Gerais funcione como laboratório das políticas sociais. Estamos em contato permanente com sua equipe técnica e eu tenho sentido nela grande interesse em ajudar nesses programas para que possamos avançar mais, em Minas, nessa parceria com o governo federal e com os governos municipais.

ABr - Como governador de Minas Gerais, o que o senhor espera da reforma tributária proposta pelo governo federal?
Anastasia - De fato, não se pode mais postergar a reforma tributária e a reforma política no Brasil. No âmbito da questão dos tributos, é necessária, em primeiro lugar, a redefinição do pacto federativo. Hoje, praticamente 70% de tudo o que é arrecadado no país ficam nos cofres da União, com estados e municípios dividindo o restante. Pela reforma tributária passa ainda uma solução para a guerra fiscal, que vem sendo muito prejudicial para os estados de uma forma geral. Por fim, há que se fazer uma revisão na questão dos royalties do minério, hoje, muito aquém do que seria justo para Minas Gerais.

Edição: Aécio Amado