Massacre de Realengo reacende debate sobre violência e desarmamento no país

17/04/2011 - 16h30

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A morte de 12 adolescentes e ferimentos em mais 12 na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, no último dia 7 de abril, chocou o país. Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno, entrou na escola, invadiu duas salas de aula e atirou nos alunos.

A gravidade e a repercussão da tragédia colocaram em pauta a validade de um plebiscito sobre o comércio legal de armas no Brasil ocorrido há seis anos. Naquela ocasião, 64% dos brasileiros, que votaram no referendo popular, foram contra a proibição da comercialização de armas de fogo e munição em todo o território nacional.

Por causa do massacre de Realengo, o tema do desarmamento voltou à pauta dos debates políticos, trazido pelo presidente do Senado Federal, senador José Sarney (PMDB-AP).

Para falar sobre o assunto, a Agência Brasil entrevistou a socióloga Maria Stela Grossi, do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília. Ela é autora do livro Sociologia da Violência.

Agência Brasil - A sociedade brasileira é violenta? O episódio na Escola Municipal Tasso da Silveira destoa em que de outros casos de violência no país?
Maria Stela Grossi Porto - Acho que há um traço autoritário e violento na sociedade brasileira. Estamos vivendo um movimento que me parece mais ou menos paradoxal. Por um lado, há um acirramento dessa sociabilidade violenta, a sociedade que tem a violência como primeira alternativa para a resolução dos seus conflitos. Por outro lado, a reação que isso provoca no conjunto da sociedade demonstra que não é algo que atinge a sociedade como um todo, há um aumento na nossa sensibilidade. Parte da sociedade tende cada vez menos a aceitar a violência, sobretudo quando vista como uma violência gratuita. Esse episódio destoa em relação aos outros, tem características próximas de sociedades, como a americana, na qual há um dado de gratuidade da violência muito grande. O fato de envolver crianças também causa mais comoção ao fato.

ABr - Há explicação para o que aconteceu?
Stela Grossi - Do ponto de vista individual, a psicologia e a psicanálise certamente vão encontrar explicações que vão da ordem das patologias particulares. Do ponto de vista da sociologia, o que importa é ultrapassar a questão pessoal e refletir sobre a natureza da sociedade nas quais coisas, atos e tragédias desse tipo acontecem. Pode-se dizer que [o episódio] é resultado de frustrações, medos, raivas, invejas que vão ter causas na infância e na adolescência; mas as formas de expressar frustrações têm raízes sociais.

ABr - A notoriedade do crime, inclusive com a veiculação na TV e na internet de vídeos do autor falando antes dos assassinatos, pode alimentar a violência e estimular comportamentos semelhantes?
Stela Grossi - O que a mídia está fazendo é transformar isso tudo em espetáculo. A mídia busca aquilo que vende, e a violência é uma das notícias que mais vendem. Lembro de Yves Michaud [filósofo canadense e ex-jornalista] que diz que mesmo que não seja possível apontar que isso [a cobertura midiática] acaba levando a mais violência, no mínimo provoca uma certa nervosidade no social. A meu ver, há aspectos que poderiam ser tratados de outra maneira. Não sou favorável, em hipótese nenhuma, a que se omita [a notícia], não é por meio da censura que o problema vai ser resolvido. Mas a forma de conduzir que poderia ser de uma forma diferente.

ABr - Se o país fosse mais seguro, a situação social fosse muito mais equilibrada e não houvesse falhas na política pública, o episódio teria acontecido?
Stela Grossi - Eu acho que poderia, sim, ter acontecido de qualquer forma. Isso não significa dizer que não existe nenhuma falha na nossa segurança pública, que ela seja perfeita. Não significa, com isso, dizer também que a gente tem que transformar o espaço da escola em um espaço policialesco. Cada vez que acontece algum tipo de episódio como esse, há a reação da sociedade, diante da intranquilidade, de demandar mais polícia e mais segurança. A reação dos políticos vai muito nessa direção de tentar responder o que eles supõem que seja a expectativa da sociedade: mais leis, mais punições, mais polícia. É óbvio que a gente precisa de uma política de segurança pública que seja eficaz e que desencoraje o crime, mas isso não significa um estado policialesco. Tenho a impressão que essa intensidade de demanda por mais repreensão e mais punição é uma forma um pouco duvidosa de responder. É preciso pensar em processos de socialização mais solidários. Um conjunto de situações poderia ser revertido se as nossas marcas de socialização tivessem outro conteúdo.

ABr - Há razão para se retomar o debate de fazer o plebiscito sobre o desarmamento?
Stela Grossi - O debate, sim. Mas, o plebiscito, eu tenho um pouco de dúvida. Eu sou francamente favorável ao desarmamento. Ter arma em casa é ilusório. Ela não dá segurança, na maioria das vezes quem tem arma em casa, e não sabe usar, acaba se transformando em vítima facilmente. Além do mais, o excesso de armas é o que faz com que muitos dos crimes que possam ser resolvidos por meio de um conflito administrável acabem em violência, porque as armas acabam levando a uma sensação de poder, de onipotência quase. Por outro lado, não podemos esquecer que a origem das armas responsáveis pela esmagadora maioria dos assassinatos, como o Mapa da Violência mostrou recentemente, são armas ilegais. Uma campanha de desarmamento não fará com que as pessoas entreguem suas armas, mas o debate sobre o desarmamento tem um conteúdo simbólico muito importante, porque pode levar à tentativa de reversão de uma cultura da violência por alguma coisa de natureza mais solidária. Não sei se é o caso de voltar com o plebiscito, aquele plebiscito foi muito mal planejado, a pergunta era extremamente incompetente no sentido de captar exatamente o que se queria. Não tenho muita garantia de que o plebiscito seja a melhor alternativa, mas, certamente, o desarmamento é uma alternativa importante.

ABr - A senhora dá aula para quem trabalha com segurança pública. O que esses operadores apontam como falhas da política de segurança pública?
Stela Grossi - Há uma preocupação com o equipamento, mais viaturas e armas. Há queixa de não há quantidade suficiente de policiais, e o que aprendem nos treinamentos não tem nem como ser efetivado.

 

Edição: Aécio Amado