Moradores do Araguaia resistem à presença do Exército, diz procurador

19/03/2010 - 19h33

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O procurador da República em Marabá, Tiago Modesto Rabelo, disse que os moradores da região do Araguaia resistem a prestar informações ao Exército sobre os locais onde foram enterrados guerrilheiros mortos durante a ditadura militar. Segundo o procurador, há dificuldade por parte da população das cidades e da área rural em entender que a presença do Exército, nesse momento, não tem o mesmo propósito da década de 1970, que era reprimir o conflito.

“A guerrilha ainda nutre o medo das pessoas. A situação permanece a mesma na cabeça dessas pessoas. Nada aconteceu para que se alterasse esse quadro. São pessoas humildes e toda violência cometida pelo Exército naquela época está arraigada no subconsciente dessas pessoas. São pessoas que viveram direta ou indiretamente toda atrocidade cometida naquela época. Muitas foram torturadas ou tiveram parentes e amigos torturados”, disse Rabelo.

O procurador participou da equipe, composta por membros do Ministério Público Federal e familiares de mortos e desaparecidos políticos, que encontrou nesta semana restos mortais na região do Tabocão, a 30 metros do local escavado pelo Grupo de Trabalho Tocantins, que contou com o apoio técnico do Exército. A indicação do local, no município de Brejo Grande do Araguaia, foi feita por um morador que não admite falar com militares ou com autoridades. O informante só decidiu indicar o local para a irmã do guerrilheiro Antônio Teodoro de Castro, que usava o codinome Raul na guerrilha.

Os peritos acreditam que o local serviu como vala comum  para o enterro dos corpos. “A princípio se trata de uma vala comum, de pouca profundidade, que é uma característica dos achados até então. Não se tem relatos de casos de cova muito profunda. Isso indica que os corpos eram enterrados às pressas. Não havia muito tempo.”

Tiago Rabelo disse que a localização dos corpos dependerá muito do trabalho dos parentes e deverá ser feito de forma lenta. “As pessoas que têm informação não aceitam falar para autoridades o que elas podem falar para os familiares. A informação que levou à cova era completamente nova. Ninguém tinha conhecimento daquela indicação.”

O MPF informou que nesse momento os esforços são no sentido de analisar o material encontrado que deverá ser encaminhado para Brasília para trabalhos de identificação. Foram encontrados pedaços de crânio, dentes e restos de tecidos no ponto exato apontado pelo informante. De acordo com o procurador, na medida em que novas informações surgirem, a equipe poderá investigar outros locais.

Existe a suspeita de que as ossadas encontradas possam pertencer aos guerrilheiros Pedro Carretel (Carretel), Rodolfo de Carvalho Troiano (Manoel do A), Gilberto Olímpio Maria (Pedro) e Maurício Grabois (Mário).

A região conhecida como Tabocão fica a 90 quilômetros de Marabá e sempre foi apontada como possível área de enterro de guerrilheiros mortos durante os combates na década de 70. Em depoimentos no MPF, moradores de Brejo Grande informaram que todos na cidade sabiam que as escavações da Operação Tocantins foram feitas em pontos incorretos.

Combatida pelo Exército, a Guerrilha do Araguaia foi um movimento de resistência ao regime militar (1964-1985) organizado pelo PCdoB na primeira metade da década de 70. No ano passado, ao formar o Grupo de Trabalho Tocantins, o Ministério da Defesa não incluiu a participação dos familiares nos trabalhos que contaram com o apoio técnico do Exército.

Na época, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, deu uma explicação jurídica para não admitir a presença dos familiares nas buscas. Segundo ele, os familiares não poderiam ser admitidos no grupo porque são parte do processo e, portanto, não devem participar da execução da sentença.

Essa posição causou desconforto na Esplanada dos Ministérios. O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), defendeu a inclusão dos parentes como forma de garantir a transparência dos trabalhos. A questão teve que ser resolvida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que garantiu a presença dos parentes de mortos e desaparecidos políticos na missão por meio de um decreto.

 

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