Falta de médicos especialistas é demanda de moradores e gestores municipais

23/12/2013 - 11h10

Aline Valcarenghi e Thais Araujo
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – Percorrendo várias regiões do Brasil, é fácil perceber que uma das principais reclamações da população na área de saúde é a falta de especialistas. Na cidade mineira de Pedra Azul, por exemplo, a demanda é tanto da população quanto dos gestores locais.

A falta de especialistas é motivo de queixas também em Manaus. Na Unidade Básica de Saúde Alfredo Campos, no bairro Zumbi, a vendedora Alciléia Nunes de Souza, de 30 anos, conta que esperou por mais de quatro horas por uma consulta para as filhas, que estavam com sintomas de problemas respiratório. Depois de quatro horas, saíram sem atendimento. Segundo Alciléia, a situação é recorrente e o número de pediatras não é suficiente para atender à demanda.

De acordo com a vendedora, disseram que o posto estava sem pediatra e que o atendimento só seria possível no dia seguinte. “Vai ser mais um dia sem aula, em que a gente vem e espera sem saber quando o médico vai atender", lembra Alciléia, dizendo que “vida de pobre é assim”.

Apesar das queixas, Luiz Fernando Ferraz, professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), acredita que muitas das demandas encaminhadas aos especialistas, poderiam ser facilmente resolvidas por médicos generalistas, que, se bem formados, podem resolver entre 70% e 80% das demandas da rede pública de saúde, deixando para os especialistas os casos críticos.

“É da cultura do brasileiro ir ao neurologista quando está com dor de cabeça, ao gastro quando está com dor de barriga. Se a pessoa realmente precisa de um especialista, de um modo geral, é porque não cuidou do problema quando podia tratar dele com um clínico”, diz Ferraz, que há 16 anos participa da Bandeira Científica da USP, que anualmente leva atendimento a pequenas cidades e faz projetos para a resolução dos gargalos locais.

É com essa ideia central que o Programa Mais Médicos quer levar emergencialmente generalistas para os municípios sem médicos. No entanto, Ferraz ressalta que o programa deveria fazer um controle da qualidade dos profissionais que contrata. “O número é importante, mas é preciso ter muito cuidado com a qualidade dos profissionais selecionados. Eles correm o risco de se tornar meros encaminhadores de pacientes”, teme o professor.

Ferraz defende investimentos na boa formação do generalista, em clínica geral ou em medicina da família. “As pessoas pensam que o generalista sabe de tudo um pouco e não faz nada bem. Se este for o nosso generalista, estamos perdidos. É muito mais fácil ser um baita oftalmologista do que um baita generalista. É difícil, ele tem que ter boa formação, e é nisso que temos de investir, já que não temos dinheiro para tudo.” Ferraz deixa claro, porém, o país precisa de especialistas, mas precisa ainda mais de generalistas.
 
O professor relata a experiência de um estudante de medicina, em Pedra Azul, onde coordenou o 16º ano da Bandeira Cientifica, no início deste mês. Segundo ele, em atendimento supervisionado por um profissional, o estudante fez uma ultrassonografia em uma paciente e, em seguida, perguntou: “está sentindo mais alguma coisa?” Então, a paciente mostrou a perna e falou da dor que estava sentido há dias, mas à qual não deu a devida importância.

“A paciente estava com uma trombose venosa profunda, não sobreviveria nem uma semana, se não fosse tratada”, lembra Ferraz.
O caso foi levado ao hospital da cidade onde o médico da expedição mostrou ao plantonista local que, apesar da gravidade, a paciente não precisaria ser encaminhada para um especialista.

“O plantonista queria encaminhar a pacienta para um hematologista, mas ela morreria se precisasse esperar. O recado que nós queremos deixar é que eles podem fazer muito mais com o que já têm”, conclui Ferraz.

Edição: Nádia Franco

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