Fernanda Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo discutiu hoje (28), em audiência, as conexões entre violações de direitos humanos durante a época da ditadura militar e temas atuais ligados à segurança pública. A audiência, realizada na Assembleia Legislativa, tratou de temas como morte de negros e pobres em áreas de vulnerabilidade, em função de ações policiais, integração das polícias Civil e Militar e desmilitarização da polícia.
A violência, inclusive a que parte da polícia, já era antes voltada contra negros e pobres, disse o ex-secretário nacional de Segurança Pública e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Luiz Eduardo Soares.
“Não podemos atribuir à ditadura essa barbárie entre nós, isso faz parte da história do Brasil. Aliás, a ditadura não inventou a violência policial, nem do Exército ou das Forças Armadas. Há relatos, até de Graciliano Ramos [escritor brasileiro], de que as brutalidades eram corriqueiras. O que a ditadura fez foi deslocar o foco para a classe média, para os estudantes, para profissionais liberais, para nós, que éramos militantes da oposição”, ressaltou o ex-secretário.
Para ele, a responsabilidade pelas mortes praticadas por policiais na periferia precisa ser dividida entre os segmentos da sociedade. “Contingentes numerosos sentem-se autorizados a perpetrar essas brutalidades, autorizados não necessariamente pelos seus superiores, pelos seus chefes, mas pela sociedade, que aplaude e se omite diante desses fatos", afirmou Soares. Ele destacou que os governos, às vezes por omissão, acabam tolerando e tornando-se cúmplices da violência.
Na discussão sobre a permanência de instrumentos de tortura no ambiente policial, Soares lembrou que a Polícia Civil do Rio de Janeiro aplicou aulas sobre como bater até 1996. Segundo ele, até 2006, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) deu aulas de como torturar.
O ex-secretário considera baixo o volume de investigações no país, o que, para ele, estimula a escalada da violência.“São 50 mil homicídios dolosos por ano no Brasil, isso é uma barbárie. Acredita-se que só 8% deles, em média, são investigados.” Mesmo assim, o país tem a quarta maior população carcerária do mundo, mas somente 12% dela cumpre pena por homicídio, acrescentou.
Luiz Eduardo Soares acha difícil concretizar a integração das polícias Civil, que investiga, e Militar, que faz o trabalho preventivo e ostensivo. “Eu costumo brincar dizendo que é como se nós [várias pessoas diferentes] decidíssemos escrever um texto e alguns ficassem com a atribuição de escrever os adjetivos e substantivos, e outros os verbos, outros, os pronomes e as conjunções. É muito difícil.”
Além disso, explicou o ex-secretário, integrar é diferente de unificar. Para ele, a integração apenas corrigiria a fratura do ciclo, sem necessariamente unificar as duas policias.
Quanto à desmilitarização da polícia, Soares ressaltou que teria de ser baseada em trabalhos bem-sucedidos já realizados. Neles, o policial atua como um gestor local de segurança pública que, com sua formação multidisciplinar, tem grande capacidade de dialogar, ouvir e de não mostrar preconceito, tomando providências capazes de transformar a comunidade.
Edição: Nádia Franco
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