Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Considerada uma das unidades de conservação (UCs) mais extensas do país, com área de mais de 2 milhões de hectares (ha) ao longo do Rio Jaú, entre os municípios de Novo Airão (AM) e Barcelos (AM), o Parque Nacional (Parna) do Jaú é o retrato da complexa situação fundiária em que se encontra grande parte das áreas brasileiras de proteção e conservação de espécies. Criada há quase 30 anos, a unidade, que tem usos restritos por lei, ainda é moradia para cerca de 100 pessoas de comunidades tradicionais.
Os moradores que resistem em deixar a área do Parque Nacional vivem da pesca, do extrativismo e da agricultura de subsistência. Pelas normas ambientais, os parques nacionais podem explorar apenas atividades como o ecoturismo.
“Temos ainda pelo menos três comunidades no interior do parque. Assim como outras que já deixaram a unidade, essas comunidades estão no local desde a criação do Jaú”, disse Leslie Tavares, analista ambiental que trabalha na unidade de conservação. A estimativa é que mais de 800 pessoas viviam no território. “É um passivo histórico que tem que ser resolvido. O ICMBio [Instituto Chico Mendes] tem tentado conciliar a situação”, completou.
Como as pessoas que deixaram a área, os povos que resistem em permanecer no território ainda não têm sinalizações claras de que vão receber a indenização pela desocupação. O processo, que deveria contemplar perdas com as moradias abandonadas, ainda inclui na conta os prejuízos financeiros. Os moradores das comunidades deixarão de explorar recursos naturais que sempre foram fonte de subsistência.
“Temos que pagar pelo que as pessoas estão perdendo [ao deixar a unidade]. Temos um conselho consultivo que tem a participação dessas comunidades e isso tem evitado conflitos. A convivência é harmônica, dentro do possível”, explicou o técnico.
Diante da situação ainda sem solução, os órgãos ambientais federais buscam alternativas para minimizar os impactos à natureza definindo alguns limites de exploração e tentando atender às necessidades básicas dessa população, como as de educação e saúde. “A existência de uma população grande nessa área causa impacto sempre. São ecossistemas muito frágeis, mas é preciso reconhecer que, em séculos de convivência, a biodiversidade do parque tem sobrevivido”, ponderou Tavares.
O ensino fundamental oferecido na unidade tem contribuído para a retirada contínua de outros moradores que buscam manter os estudos e outras oportunidades de renda nos municípios vizinhos. A desocupação também incluiu a criação da Reserva Extrativista (Resex) Unini, às margens norte do Rio Jaú. “Algumas pessoas já foram para lá. É uma unidade preparada que tem usina de castanha e outros recursos, como sistema de embalagem a vácuo dos produtos”, explicou Leslie Tavares.
A alguns quilômetros dali, outro Parque Nacional exibe condição rara no país. O Parna de Anavilhadas é uma das poucas unidades de conservação que tem a situação fundiária completamente solucionada. “Faz uma diferença gigante porque estamos falando de pessoas que viviam nessas unidades em uma situação de insegurança porque sabem que não podem estar ali, por lei, mas não vislumbram a solução do conflito e o pagamento das indenizações”, avaliou Priscila Maria da Costa Santos, chefe da unidade.
O Parque Nacional de Anavilhadas, criado para conservar um dos maiores arquipélagos fluviais do país e que leva o mesmo nome da unidade, ocupa área de 350 mil ha, sendo 60% fluviais. Nessa área estão espécies importantes da biodiversidade brasileira, como o peixe-boi e o boto vermelho, que atraem quase 30 mil turistas por ano, segundo estimativas conservadoras do ICMBio.
“A demanda turística é gigante e foi o que movimentou o processo de categorização da unidade como parque nacional que, antes, era estação ecológica”, contou ela. O status de estação ecológica proíbe qualquer uso da área, inclusive o turismo, enquanto o de parque nacional estimula a atividade.
Enquanto a situação fundiária é problema da grande maioria, outros desafios se apresentam para os administradores dessas unidades. Metade dos 18 parques nacionais que ficam no bioma Amazônia não tem planos de manejo, essenciais para a definição da área e dos usos possíveis, inclusive a autorização para estradas que vão atender a turistas.
No caso de Anavilhadas, por exemplo, o plano de manejo ainda é do período em que a unidade era considerada uma estação ecológica. O do Jaú também está defasado e precisa estabelecer uma equação para a convivência das comunidades que resistem na área. O documento das duas áreas está sendo revisado e deverá ser concluído ainda em 2013.
Outro desafio dos administradores das unidades é a falta de recurso e de funcionários. “Temos uma falta de estrutura muito grande. Esperamos que o projeto Parques da Copa traga mais recursos para que possamos atender a esse público, mas até agora não tivemos qualquer sinal”, lamentou Priscila Santos. Segundo ela, apenas dois analistas ambientais respondem pela área de 350 mil hectares do Parna de Anavilhadas.
Edição: Marcos Chagas
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