Marcelo Brandão
Repórter da Agência Brasil
Brasília - As pessoas desejam um filho parecido com elas, mas quando entendem o processo de adoção, não se preocupam mais se é parecido ou não, se é negro, branco, grande ou pequeno. "Elas se preocupam em fazer com que [a criança] pertença a essa família e que ela está disposta a filiar”, explica Soraya Pereira, presidenta da instituição Aconchego, localizada em Brasília, que promove o debate e a troca de experiências entre pais adotantes, auxiliando no processo de adaptação de ambas as partes.
Um dos projetos da Aconchego é a Adoção Tardia, no qual os adotantes de crianças maiores de três anos compartilham experiências relacionadas à nova paternidade. “Com esse grupo, começamos a perceber que as pessoas [passaram] a confiar na gente, porque normalmente são pais que já [viveram] esse processo e [isso] vai formando uma rede de confiança e de apoio muito legal. Muitos pais não tinham onde deixar as crianças e resolvemos fazer um trabalho com as crianças adotadas também, no mesmo horário do encontro dos pais, com uma arteterapeuta”, conta Soraya.
Na adoção para estrangeiros, a idade é considerada o maior dos entraves. De acordo com Thaís Correia, secretária executiva da Comissão Distrital Judiciária de Adoção, quanto mais velha a criança, menor a chance de encontrar uma família. “O perfil dos estrangeiros é um pouco mais elástico. Não há limitações à cor e a restrição de idade é um pouco menor. No entanto, a idade máxima que conseguimos famílias para adoção é 10 anos. Depois dessa idade não há mais colocação [em uma família]”.
Para que uma criança seja adotada por pessoas que vivem fora do país, é necessário que tenham sido esgotadas todas as possibilidades de adoção no Brasil. Caso não encontrem um lar no país, elas são cadastradas internacionalmente, para que famílias estrangeiras possam adotá-las.
Niva Campos observa que, desde a edição da Lei 12.010/09, que dispõe sobre adoção, os perfis desejados pelos pais se ampliaram. “A lei determinou que haja uma preparação para os pais que desejam adotar. Essas questões são discutidas na preparação. Algumas pessoas expandem o perfil desejado, e outras se mantém no desejo inicial”.
Marina Gagliardi, 37, é um desses casos. Determinada a adotar um bebê, passou pelo período de preparação e, ouvindo pais de crianças mais velhas, resolveu, junto com o marido, ampliar o perfil da criança desejada. “Tínhamos contato com pessoas que estavam dispostas a adotar e principalmente com casais que já tinham adotado. Vimos a experiência deles e era uma experiência de muito amor, não dependia da idade. O amor não depende da idade. E foi isso que a gente percebeu. Então, ampliamos o nosso perfil, que era até 2 anos, para até 4 anos”.
Foi essa mudança que proporcionou o encontro com suas duas filhas, gêmeas de quatro anos. “Eu e meu marido conhecemos a realidade e nos abrimos para essa experiência maravilhosa, completa e que nos deu a possibilidade de parar de amar um sonho. Agora a gente ama pessoas reais e isso é muito rico, muito gratificante”.
De acordo com Soraya, a preparação anterior à adoção tem papel fundamental na mudança dos parâmetros dos pais. “Nessa preparação, é desmistificada essa coisa de que só pode ser adoção de bebê. [Não somos] contra a adoção de bebês, só [esclarecemos que] quem quer um bebê vai esperar muito na fila. E as pessoas começam a se questionar, porque a adoção tardia é trabalhosa, mas não é impossível”.
Por outro lado, existem pais que alimentam a vontade de adotar, não importa o perfil da criança. Na relação entre Vanessa dos Prazeres e o menino Luiz Carlos, de seis anos de idade, foi ela que precisou cativar o menino. Tímida, a criança, que vinha de um histórico de maus tratos e abandono, ficava retraída, apenas observando a visita de candidatos a pais no abrigo.
“Inicialmente, quando ele ficava no abrigo, era extremamente tímido. Ele não cumprimentava as pessoas. Acho que foi isso que me chamou a atenção, porque pensei que era aquele coração que eu queria conquistar”.
Hoje, com nove anos, pode-se dizer que Luiz Carlos foi conquistado por completo, para satisfação de Vanessa. Para ela, a idade do menino nunca importou. “Filho é filho. Todas as crianças nascem de barriga, mas filho adotivo nasce do coração. E aquilo que vem do coração não tem idade, tamanho, cor, cheiro. Não tem. A adoção é uma maternidade que vem do coração”.
Segundo Vanessa, a adoção tardia lhe ofereceu algo que a adoção de um bebê não lhe daria. “Com 15 dias, o Luiz Carlos já me chamava de mamãe. Esse retorno é muito legal. O olhar com carinho, com respeito e com amor, porque você está cuidando. Ele já tem um entendimento de cuidado, de que se eu não o tivesse tirado daquele local, ele provavelmente não estaria tão bem ou tão feliz como ele está. A retribuição é muito forte quando você adota uma criança maior”.
Marina, embora tivesse desejado um bebê no começo, também descobriu os benefícios da adoção tardia. “Não interessa quantos anos elas têm. Quando chegam na família, as crianças chegam como bebês, do ponto de vista afetivo. Só que elas se desenvolvem muito rápido, aprendem muito rápido, querem se integrar, é tudo muito intenso. É o que eu achei nas minhas filhas e que, eventualmente, não aconteceria se fosse com um bebê”.
Jovem, bebê, branco, negro, pardo. A adoção se mostra diferente de uma filiação biológica. Nem melhor, nem pior, apenas diferente. Mas uma vez no seio da família, todos os filhos são iguais, conforme explica Soraya. “Filho não sai da gente, entra. Cada dia ele entra mais um pouquinho. E esse pertencimento é importantíssimo. Toda criança tem o direito de ser chamada de filho e filha”.
Edição: Tereza Barbosa
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