Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Em recurso apresentado hoje (2) ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) aponta "contradição e obscuridade" em decisões dos ministros que integram a Corte no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. No documento, os advogados citam a perda de mandato dos réus condenados como uma das situações em que os critérios usados pelo STF não ficaram claros à defesa.
"Não é possível, portanto, pela redação do acórdão, concluir se o caso dos autos se subsume à hipótese de perda do mandato como consequência da suspensão dos direitos políticos ou se, em virtude da condenação criminal ter sido proferida pelo Supremo Tribunal Federal, deve-se interpretar o parágrafo 2º, do Artigo 55 [da Constituição Federal] de forma a conceber a decisão do Poder Legislativo como meramente declaratória mesmo em caso em que a redação proposta pelo Poder Constituinte Originário é em sentido diverso", diz o texto.
O acórdão completo da Ação Penal 470, o processo do mensalão, foi divulgado no último dia 22, reunindo as decisões, os votos e a reprodução dos debates travados pelos ministros do Supremo durante o julgamento. É com base no acórdão que os advogados dos réus elaboram os recursos contra as sentenças condenatórias.
O debate sobre perda dos mandatos dos deputados condenados criou clima de crise entre a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda no ano passado, colocando os poderes Legislativo e Judiciário em lados opostos. Na época, o então presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), com apoio de vários líderes, disse que o Legislativo não ia “se curvar” ao STF, enquanto o ministro Celso de Mello, último a votar favoravelmente pela perda imediata de mandato, classificou como “intolerável, inaceitável e incompreensível” as declarações de Maia.
Com o final do julgamento do mensalão, o STF determinou a cassação dos mandatos dos deputados Pedro Henry (PP-MT), Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP), que foram condenados. Segundo a decisão, o Congresso deve apenas ratificar o entendimento da Suprema Corte. Contudo, tanto o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS), como o atual, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defendem que a eventual perda do mandato só pode ocorrer após o trânsito em julgado. Há duas semanas, Alves reafirmou que a definição sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados pelo STF só será tomada após encerradas todas as possibilidades de recursos.
No recurso apresentado hoje, a defesa de João Paulo Cunha também aponta "discrepância" no critério para a fixação das penas, embora tenha sido evidenciado nos votos dos ministros que os crimes, em especial os de corrupção e de peculato, foram cometidos em "condições e circunstâncias quase idênticas".
"Sem embargo e sem qualquer explicação para tanto, sob o ângulo da concretização das penas, vê-se enorme discrepância no critério para a fixação destas", destacam os advogados no recurso. "Situações idênticas demandam uma reação penal idêntica. O contrário é que seria uma lesão à igualdade de tratamento", acrescenta o texto.
João Paulo Cunha foi condenado à pena de nove anos e quatro meses de prisão, além de R$ 360 mil de multa, em valores não atualizados, pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.
O prazo para que os embargos de declaração sejam apresentados ao STF, pelos condenados na Ação Penal 470, termina hoje (2). Considerados recursos mais simples, esses embargos são usados para esclarecer pontos da decisão que não foram bem explicados pelos ministros durante o julgamento e serão julgados pelo plenário da Suprema Corte, mas a data para que isso ocorra ainda não foi estabelecida.
Além deles, os condenados podem apresentar, em fase posterior, também não definida pelo STF, os embargos infringentes, que permitem nova análise da decisão. Segundo o Regimento Interno do STF, eles só podem ser usados quando existem ao menos quatro votos pela absolvição.
Concluído em dezembro do ano passado, após mais de quatro meses de trabalho, o julgamento do mensalão é o maior de toda a história do STF. Além do impacto político, a complexidade da ação penal decorreu da própria estrutura do processo. Originalmente com 40 réus, a ação produziu mais de 50 mil páginas e demandou a oitiva de 600 testemunhas.
O julgamento durou 53 sessões e consumiu 204 horas de funcionamento do plenário, monopolizando o trabalho do STF no segundo semestre de 2012. Em geral, a Corte leva até quatro sessões para julgar casos mais complexos.
Dos 40 réus iniciais, três não chegaram a passar por julgamento. Dos 37 que foram julgados, 25 foram condenados e 12 absolvidos. A Corte decidiu que 11 deles devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado, 11 em regime semiaberto, um em regime aberto e dois tiveram a pena substituída por medidas restritivas de direito, como pagamento de multa e proibição de exercício de função pública.
Ao todo, as condenações somaram 273 anos, três meses e quatro dias de prisão, e as multas superaram R$ 20 milhões em valores ainda não atualizados.
Núcleo Político |
RÉU |
CRIME |
PENA |
José Dirceu ex-ministro Casa Civil |
Formação de quadrilha Corrupção ativa |
10 anos e 10 meses |
|
José Genoino ex-presidente do PT |
Formação de quadrilha Corrupção ativa |
6 anos e 11 meses |
|
Delúbio Soares ex-tesoureiro do PT |
Formação de quadrilha Corrupção ativa |
8 anos e 11 meses |
|
Núcleo ligado ao Congresso Nacional |
João Paulo Cunha deputado federal (PT-SP)
|
Corrupção passiva Peculato Lavagem de dinheiro |
9 anos e 4 meses |
Roberto Jefferson ex-deputado federal (PTB-RJ) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
7 anos e 14 dias |
|
Pedro Corrêa ex-deputado federal (PP-PE) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
7 anos e 2 meses |
|
Pedro Henry deputado federal (PP-MT) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
7 anos e 2 meses |
|
Valdemar Costa Neto deputado federal (PR-SP) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
7 anos e 10 meses |
|
Romeu Queiroz ex-deputado federal (PTB-MG) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
6 anos e 6 meses |
|
Bispo Rodrigues ex-deputado federal (PL-RJ) |
Corrupção passiva Lavagem de dinheiro |
6 anos e 3 meses |
|
José Borba ex-deputado federal (PMDB-PR) |
Corrupção passiva |
2 anos e 6 meses, substituída por restrições de direitos |
|
João Cláudio Genu ex-assessor do PP |
Lavagem de dinheiro Corrupção passiva (prescrita) |
5 anos |
|
Jacinto Lamas ex-secretário do PL |
Lavagem de dinheiro Corrupção passiva (prescrita) |
5 anos |
|
Emerson Palmieri ex-tesoureiro informal do PTB |
Lavagem de dinheiro Corrupção passiva (prescrita) |
4 anos, substituída por restrições de direitos |
|
Núcleo Publicitário |
Marcos Valério publicitário |
Formação de quadrilha Lavagem de dinheiro Corrupção ativa Evasão de divisas Peculato |
40 anos, 2 meses e 10 dias |
Ramon Hollerbach publicitário |
Formação de quadrilha Lavagem de dinheiro Corrupção ativa Evasão de divisas Peculato |
29 anos, 7 meses e 20 dias |
|
Cristiano Paz publicitário |
Formação de quadrilha Lavagem de dinheiro Corrupção ativa Peculato |
25 anos, 11 meses e 20 dias |
|
Simone Vasconcelos ex-diretora financeira da SMP&B |
Lavagem de dinheiro Corrupção ativa Evasão de divisas Formação de quadrilha (prescrita) |
12 anos, 7 meses e 20 dias |
|
Rogério Tolentino advogado ligado a Marcos Valério |
Lavagem de dinheiro Corrupção ativa
|
6 anos e 2 meses |
|
Núcleo Financeiro |
Kátia Rabello ex-presidenta do Banco Rural |
Formação de quadrilha Lavagem de dinheiro Gestão fraudulenta Evasão de divisas |
16 anos e 8 meses |
José Roberto Salgado ex-vice-presidente do Banco Rural |
Formação de quadrilha Lavagem de dinheiro Gestão fraudulenta Evasão de divisas |
16 anos e 8 meses |
|
Vinícius Samarane ex-diretor do Banco Rural
|
Lavagem de dinheiro Gestão fraudulenta |
8 anos e 9 meses |
|
Demais condenados |
Henrique Pizzolato ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil |
Lavagem de dinheiro Peculato Corrupção passiva |
12 anos e 7 meses |
Enivaldo Quadrado ex-sócio da corretora Bônus Banval |
Lavagem de dinheiro |
3 anos e 6 meses |
|
Breno Fischberg ex-sócio da corretora Bônus Banval |
Lavagem de dinheiro |
5 anos e 10 meses |
Edição: Carolina Pimentel
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