Heloisa Cristaldo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Agência Brasil foi ao Semiárido brasileiro para conhecer a realidade da região em 2013. A área abriga mais de 22 milhões de habitantes e já tem 1.046 municípios em situação de emergência e estado de calamidade pública. A estiagem é a pior dos últimos 50 anos.
A equipe visitou a Bahia e Pernambuco e encontrou realidades distintas no convívio com a estiagem. Durante quatro dias, repórter e fotógrafo percorreram quase 2 mil quilômetros pelo Semiárido. Contando os deslocamentos de Brasília, a equipe passou uma semana, de 31 de março a 6 de abril, em campo.
Em Pernambuco, a cidade visitada foi Petrolina. O município de 294.081 habitantes produziu riqueza superior a R$ 1 bilhão em 2009 (Produto Interno Bruto - PIB), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com a prefeitura, a cidade, cortada pelo Rio São Francisco, tem área irrigada de quase 18 mil hectares e uma das maiores produções de uva do país. A 40 quilômetros de Petrolina está a unidade Semiárido da Embrapa, onde pesquisadores desenvolvem tecnologias para o convívio com a estiagem.
A zona rural de Petrolina apresenta uma realidade que contrasta com a riqueza do local. Foi lá que conhecemos a família de Jurandir Cardoso, no dia 1º de Abril. O agricultor recebeu a equipe com alegria, sentimento que só diminuiu quando ele nos contou que chega a pagar R$ 100 por um carro-pipa para encher sua cisterna nos períodos de seca rigorosa. Na casa em que vive com mais nove pessoas, ele tem televisão e geladeira, mas frequentemente falta água ou a que está disponível é salobra, dos açudes mais próximos.
Esse foi o nosso primeiro contato com famílias castigadas pela seca. Entretanto, Cardoso conta que seu lote já produz frutas, e os animais estão sendo mais bem alimentados. Não há tanta morte no seu rebanho e, com o dinheiro que recebe do Bolsa Família por manter na escola cinco de seus seis filhos, a fome deixou de ser motivo para as crianças dormirem mais cedo.
No clássico da literatura brasileira Os Sertões, Euclides da Cunha diz que sertanejo é, antes de tudo, um forte. Jurandir Cardoso é um pai de família que se alegra por seus filhos terem transporte escolar, merenda e uniforme. Ele não se sente diminuído por ter que passar horas cultivando o solo sob o sol, e assim ter a aparência de alguém dez anosa mais velho. Ele não quer sair do campo, porque é feliz ali. A felicidade resignada desse agricultor chega a assustar.
Em dois dias, entrevistamos e fotografamos seis pesquisadores da Embrapa Semiárido (Luiza Brito, Magna Moura, Nilton Cavalcanti, Gherman Araújo, Iêdo Sá e Pedro Grama); conhecemos as tecnologias de captação de água da chuva, de barragem subterrânea, de cisterna e de irrigação de salvação – sem o uso de energia elétrica. Além de ouvir explicações sobre as condições climáticas da região, tivemos oportunidade de conhecer as famílias de Jurandir Cardoso, de Espedito dos Santos, de Raimundo dos Santos e de Alírio Macedo.
O calor agressivo não impediu a equipe de trabalhar na apuração de informação por mais de dez horas diárias em Petrolina. Por outro lado, a angústia aumentava cada vez que ouvíamos que o auge da seca ainda não chegou, apesar dos efeitos amenizados por políticas governamentais de transferência de renda. A caatinga já começa a perder seu verde, o barro começa a rachar. Ainda estamos no período chuvoso - o que no sertão se chama inverno - mesmo com 42 graus Celsius castigando a pele.
O deslocamento de Petrolina para Barra, na Bahia, cerca de 650 quilômetros, foi feito de carro. Lá nos encontramos com a equipe da Embrapa, unidade Mandioca e Fruticultura, que saiu de Cruz das Almas para nos receber em Morro do Chapéu – metade do caminho até Barra. Os pesquisadores Ildos Parizzoto e Marcelo Romano nos acompanharam no trajeto.
Nos dois dias de viagem por Barra, visitamos três assentamentos rurais que usam tecnologias de convivência com o Semiárido, como a irrigação por gotejamento – que regula a quantidade de água que vai ser dispensada na produção agrícola. Ela permite que em áreas de estiagem a produção não seja interrompida.
A história de luta pela terra é a realidade das comunidades locais. Dona Toinha de Igarité é uma líder apaixonante e protetora. Atualmente ligada à Pastoral da Terra, a camponesa é a inspiração de 213 pessoas no Assentamento Santo Expedito. Ela contou que no período entre 2005 e 2007 a “lona” era sua moradia, enquanto participava de mobilizações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ela disse que se desencantou com a entidade, mas se apaixonou ainda mais pela causa.
A comunidade se reuniu em volta da mesa farta para mostrar à equipe da Agência Brasil e aos pesquisadores da Embrapa tudo o que consegue produzir por ali. A entrevista com dona Toinha foi acompanhada por todos eles, que esperavam ansiosamente para também ser ouvidos.
A autoestima dos jovens Sérgio Queiroz e Daiarc Silva chamou a atenção da reportagem. “Tenho orgulho de morar no campo. É um privilégio”, contou o artesão Sérgio. Ávido por mobilizar seus “companheiros” de luta para continuar vivendo no campo. Ele acompanhou cada passo da reportagem e fez questão de, sempre que que tinha oportunidade de intervir, incluir sua reivindicação principal na conversa: mais educação para o campo.
Ao concluir a etapa de visita aos assentamentos, o pesquisador Marcelo Romano pensou alto ao volante: “Dá uma satisfação muito grande ver que o nosso trabalho tem esse retorno”. Romano e Parizzoto são considerados psicólogos e quase mágicos, por conseguirem mostrar a essas comunidades que é possível produzir no sertão.
Alzira dos Santos tem 49 anos. Ela critica o uso político da seca no Nordeste e conta como as urnas influenciam até hoje em ações na sua comunidade. O candidato dela não foi eleito e algumas das promessas de irrigação não foram cumpridas no assentamento onde vive com mais 13 famílias.
É difícil passar ileso por uma experiência como essa. O sertanejo é mesmo um forte, concordamos com Euclides da Cunha. Ele tem a persistência necessária para ser feliz na terra que escolheu como moradia e faz todos os conceitos preestabelecidos pelas informações centro-sul perderem o sentido.
Edição: Tereza Barbosa
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