Coluna da Ouvidoria - Termo preciso na cobertura jornalística

15/04/2013 - 11h13

Brasília - A coluna da semana passada intitulada O Termo Certo [1], pautada a partir de manifestação de um leitor questionando uma das três notícias publicadas pela Agência Brasil sobre as medidas de desonerações da folha de pagamento anunciadas pelo governo federal, motivou o leitor Jeferson Garoeiro, de Bauru (SP), a escrever para a ouvidoria fazendo o seguinte comentário: “Se os responsáveis originários pela fonte da notícia [lá, na Esplanada dos Ministérios] descuidam, caberia às editorias da EBC sanar o inaceitável desfalque, priorizando determinados temas mais cruciais das pautas, para os quais destacariam repórteres in situ, ali, mesmo, dentro da sala do responsável, a fim de colher o dado do modo que interessa ao leitor! No seu exemplo, 'setores ou segmentos' desonerados mereceriam citação explícita, como nós, leitores, exigimos e precisamos conhecer, aqui embaixo, para poder repercutir. Ora, se o burocrata da Esplanada diz que se trata do 'setor' 'despesas pessoais' por exemplo, cabe à editoria e ao repórter, juntar: '... Ou seja: fumo e bebidas, recreação e cultura, despesas diversas, higiene e beleza, e serviços pessoais', que são os 'segmentos' que compõem aquele setor do índice. E quem duvida que tal ponto de pauta é de crucial importância - para o povo e para o governo - neste momento em que já não são poucos os críticos da condução da economia, quando até já se iniciam as primeiras terríveis intervenções patronais, com boicote, lockout [recusa pelo empregador em ceder aos trabalhadores os instrumentos de trabalho necessários para a sua atividade], desabastecimento orientado, etc.? Ao cortar impostos a Fazenda faz o impossível para evitar o crescimento da balela da 'inflação disparando'; o povo, nós daqui desse interiorzão, entretanto, nunca sabemos que aquela medida de sacrifício governamental heroico e histórico, fez baixar, por exemplo, no 'segmento' 'higiene e beleza', preços de sabonetes, creme dental, papel higiênico! Ou, não?”

O comentário feito por nosso leitor também nos motivou a dar continuidade à análise da cobertura da Agência Brasil sobre política tributária, porque reforça os argumentos desenvolvidos na coluna da semana passada sobre a importância do detalhamento e da utilização dos termos precisos na cobertura jornalística, mostrando a conexão entre o assunto focado – a desoneração tributária – e o cotidiano do cidadão. Além isso, ele mexe numa coisa fundamental que é a avaliação de quais são os reais impactos de uma determinada medida da política tributária.

Para a maioria de nós, a política tributária é um tema árido e inevitável porque afeta nossas finanças, mas normalmente é encarada como motivo de piadas, resmungos e encolheres de ombros, não como objeto de reflexão. O que é uma pena, pois é uma das principais áreas de atuação dos governos na política pública, em que a cobertura jornalística poderia contribuir para torná-la mais compreensível para os cidadãos.

O leitor atribui à medida possíveis efeitos no combate à inflação nos preços de alguns produtos de consumo popular, mas na realidade o objetivo da desoneração da folha de pagamento das empresas não é bem esse. Embora se espere que ajude a reverter a inflação, o alvo principal é a manutenção do emprego em função da diminuição do custo relativo da mão de obra, especialmente nos segmentos da economia em que a utilização deste fator de produção é intensiva.

O que o governo federal anunciou nos dias 3 e 5 de abril, dentre outras providências, foi uma alteração na base de cálculo da contribuição à Previdência Social para alguns segmentos da economia, passando de 20% do valor da folha de pagamento para 1% ou 2% do faturamento da empresa, dependendo do segmento de atividade. Assim, a arrecadação, em vez de se atrelar à massa salarial da empresa, o que, de acordo com a ortodoxia econômica, tenderia a provocar demissões nos tempos difíceis e, consequentemente, aumentar a informalidade na economia, passaria a agir mais no sentido anticíclico.

Apesar de a Agência Brasil ter apresentado essa informação corretamente no dia 27 de março, isto é, na semana anterior à promulgação das medidas, nas matérias que acompanharam a divulgação ela aparece truncada, dando a impressão errônea de que o que foi alterado foi apenas a alíquota: “Com a desoneração, empresas que contribuem ao INSS com 20% da folha de pagamento passarão a pagar de 1% a 2%”. A omissão do faturamento como a nova base do cálculo deixa sem sentido a afirmação feita em uma dessas matérias pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland de Brito, sobre as vantagens anticíclicas da medida: “Segundo Holland, apesar da perda de receita para o governo, a desoneração da folha de pagamentos.. diminui as pressões sobre o fluxo de caixa porque os empregadores recolhem menos quando faturam menos e pagam mais quando a entrada de dinheiro em caixa aumenta” [2].

A política tributária é um tema complexo que envolve questões de eficiência econômico-administrativa e de equidade social, além do seu objetivo principal de prover recursos por meios não inflacionários para sustentar as atividades do governo. Qualquer mudança efetuada repercute em todos estes aspectos.

A desoneração da folha de pagamentos das empresas integra o Plano Brasil Maior e a estratégia do governo da presidenta Dilma de combater a inflação sem reduzir o crescimento. Resta averiguar até que ponto a medida se adequa aos resultados almejados e à compensação dos efeitos colaterais gerados nos outros aspectos da política tributária. Apesar de ser uma recomendação do consenso dos economistas ortodoxos [3], a desoneração da folha tem sido alvo de críticas por pesquisadores brasileiros, tanto no que diz respeito à eficiência econômica quanto no aspecto da equidade. Algumas dessas críticas estão disponíveis em publicações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e em matérias publicadas pela própria agência em 2012 [4].

Em cobertura recente, a Agência Brasil teve o mérito de incluir duas avaliações críticas em uma matéria de repercussão publicada no dia 6 de abril, “Especialistas criticam desonerações setoriais e defendem medidas mais amplas”. Em uma delas, o professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves destaca que “o atual sistema de desonerações apenas provoca um fenômeno chamado de capitalismo de compadrio, em que os setores com maior poder de persuasão com o governo usam momentos de crise para obter vantagens. 'As desonerações focalizadas provocam uma síndrome de balcão, que beneficia quem chora primeiro e não têm o mesmo efeito multiplicador sobre a economia do que uma redução de impostos generalizada', declara” [5].

Sem se ater ao nível teórico da discussão, há questões pontuais que a cobertura jornalística poderia aprofundar. A primeira seria uma explicação do que mudou entre o dia 3 e o dia 5. No dia 3, segundo a agência, o Ministério da Fazenda justificou que a decisão de vetar alguns setores incluídos na nova lei por meio de emendas parlamentares ocorreu porque “a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que qualquer renúncia fiscal precisa ter fonte de recursos especificada no Orçamento… [e] as emendas parlamentares não explicavam de onde viriam esses recursos”, além de que “a inclusão de setores no novo modelo precisa de avaliação da equipe econômica” [6]. No entanto, estes mesmos setores foram contemplados na medida provisória anunciada dois dias depois [7]. Ainda que a desoneração para esses setores só vá entrar em vigor em 2014, o que, aliás, não impede que o governo espere que surtissem efeitos antecipados já em 2013, seria interessante saber como os pré-requisitos do ministério foram cumpridos em um prazo tão curto.

A segunda questão seria uma avaliação dos impactos da medida nos setores já beneficiados no que diz respeito às decisões e aos planos dos empresários desses setores em termos de recursos humanos, produção, preços e investimentos. A medida evitou demissões? Como está sendo a aplicação dos recursos adicionais gerados pela desoneração da folha? Para obter respostas a essas perguntas, a reportagem poderia consultar, além das fontes oficiais, os próprios empresários, seus órgãos de classe e as comissões tripartites criadas pelo governo para acompanhar a execução das desonerações. Se os recursos adicionais nas mãos dos empresários forem destinados a investimentos produtivos nas empresas, além de manter o nível de emprego, eles poderão contribuir à realização das demais metas econômicas do governo. Se o destino for outro - o mercado financeiro e os cofres dos candidatos nas futuras eleições, por exemplo, - as consequências talvez sejam mais previsíveis, mas não serão necessariamente tão benéficas para a maioria dos cidadãos.

Boa leitura!


 [1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-08/coluna-da-ouvidoria-termo-certo
 [2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-03/governo-deixara-de-arrecadar-r-16-bilhoes-este-ano-com-deso neracao-da-folha-de-pagamentos
 [3] http://www-2.rotman.utoronto.ca/iib/ITP0707.pdf
http://aysps.gsu.edu/isp/images/ispwp1202.pdf
http://aysps.gsu.edu/isp/images/ispwp1206.pdf
[4] http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/6
http://www.politicasocial.net.br/index.php/caderno/cadernos-tematicos-3/158-caderno-tematico-3-denise.html
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-04/transferir-desoneracao-da-folha-para-seguridade-social-pode-colocar-sistema-em-risco-diz-tecnico-do-i
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-03/medidas-de-estimulo-industria-nao-resolvem-problema-diz-professor-da-puc-rj
 [5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-06/especialistas-criticam-desoneracoes-setoriais-e-defendem-medidas-mais-amplas
[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-03/falta-de-espaco-fiscal-justificou-vetos-setores-incluidos-pelo-congresso-na-desoneracao-da-folha
 [7] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-05/governo-beneficia-14-setores-da-economia-com-desoneracao-da-folha-de-pagamento