Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
Brasília - “A gripe, a diarreia, a falta de medicamentos e de atendimento médico, a [constante alegação] de falta de combustível e a discriminação ética venceram mais uma vez”. Assim a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro se referiu à morte de duas crianças da etnia Hupda, aldeia Taracuá-Igarapé, em São Gabriel da Cachoeira.
Confirmadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), as mortes ocorreram em janeiro mês, quando um surto de virose deixou doentes 13 moradores da comunidade. As autoridades de saúde ainda estão apurando o que provocou a diarreia e o vômito. Para a federação, as vítimas não resistiram às “doenças de branco” e à falta de atenção.
“Faltam profissionais de saúde para cuidar dessas pessoas. Os profissionais passam por lá de tempos em tempos, mas não se estabelecem”, afirmou à Agência Brasil Nildo José Miguel, índio tukano e um dos diretores da federação. Segundo ele, os hupdas não são as únicas vítimas das doenças nem o problema é recente.
“A desnutrição, por exemplo, é um problema de toda a região e ninguém tem conseguido amenizá-lo. O que agora está sendo noticiado é um problema histórico e não apenas dessa etnia [Hupda]. São vários óbitos ao longo dos últimos anos, mas faltam notificações. O órgão responsável não consegue acompanhar a situação”, acrescentou.
Miguel lembrou que a maior parte das comunidades não dispõe de água tratada ou saneamento básico. Para ele, as autoridades públicas das três esferas de poder (federal, estadual e municipal) deveriam montar uma operação especial durante a qual uma equipe de saúde deveria permanecer nas aldeias afetadas, dando assistência médica aos doentes. De acordo com a Sesai, ainda neste mês começa a ser feito um diagnóstico sanitário e ambiental para detectar a existência de possíveis contaminantes da água usada pela Aldeia Igarapé, junto com a busca de opções de abastecimento para a comunidade.
O bispo católico da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, dom Edson Damian, que há 14 anos vive na Amazônia, disse à Agência Brasil que a real situação das comunidades indígenas da região é ignorada. “Não conhecemos a real dimensão dos problemas. Visito frequentemente as comunidades do Alto Rio Negro e a cada nova visita encontro sepulturas recentes [nas quais] os índios me dizem terem enterrado crianças”.
Segundo dom Edson, até o início de 1990 os missionários salesianos eram os principais responsáveis por zelar pela saúde e educação dos índios amazônidas. Ele lembrou que até aquela época o Estado estava ausente da região. “A partir daí, o Estado foi recebendo, praticamente herdando, toda a infraestrutura já construída pela Diocese. Mesmo assim, até hoje, o atendimento aos povos indígenas, principalmente aqueles que vivem em aldeias espalhadas ao longo do Rio Negro, ainda é muito precário”, disse.
O bispo reconheceu que as longas distâncias e a dificuldade de acesso, principalmente quando o nível dos rios baixa, é um complicador para o trabalho dos agentes de saúde. Especificamente sobre a situação dos hupdas, o bispo explica que há fatores culturais que contribuem para fazer com que a etnia seja vista, mesmo entre outros povos, como “os mais pobres entre os pobres”.
“A mitologia ancestral, partilhada entre várias etnias, narra que uma grande cobra percorreu o Rio Negro e dela foram saindo os ancestrais dos diversos povos. Os últimos a sair foram os hupda. Daí serem considerados inferiores. Como eles próprios acabaram por aceitar esse mito, durante muito tempo foram escravizados por outros povos”, conta o bispo.
Segundo ele, essa é uma das razões de eles viverem até hoje em extrema pobreza, carentes de tudo, sendo sempre os últimos a receber os recursos. “Há casos, inclusive, em que enfermeiros e técnicos de outras etnias, por uma questão cultural, acabam deixando os hupdas em segundo plano. Subnutridos devido à alimentação precária e vivendo em condições de higiene muito ruins, as doenças se propagam com muita facilidade entre os hupdas”, diz o bispo.
Edição: Tereza Barbosa
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