Coluna da Ouvidoria - É sempre bom lembrar

05/11/2012 - 9h41

Brasília - As ouvidorias fazem parte de um amplo conjunto de modalidades pelas quais a mídia pode prestar contas ao público. Segundo o especialista francês Claude-Jean Bertrand, as experiências com os sistemas de responsabilização social da mídia podem ser classificadas de três maneiras, denominadas de acordo com a origem da atividade: iniciativas internas, iniciativas externas e formas cooperativas. No mundo dominado pela mídia privada, as ouvidorias pertencem historicamente ao terceiro grupo, junto com outras modalidades como cartas ao editor, centrais de queixas, encontros com o público e painéis de usuários de mídia.

Em comparação às formas cooperativas, os sistemas internos, como os comitês de redação e os repórteres de mídia, correm o risco de serem percebidos como estratégias de blindagem das empresas contra as críticas. Os sistemas externos, por sua vez, como os observatórios da mídia e as mídias alternativas, sofrem da limitação de não contar com a participação dos gestores e dos profissionais das empresas, o que muitas vezes os leva a desempenhar um papel percebido como apenas antagônico.

Bertrand destaca as formas cooperativas como uma terceira via para a promoção da conduta ética e qualidade na atuação da mídia: “Alegam alguns que a liberdade por si só - o 'mercado' - dá conta dos problemas: deixemos que o consumidor, o povo decida o que quer e o que precisa. Outros sustentam que apenas que a lei e a regulamentação são dignas de confiança: o mercado, uma vez de mãos livres, produz unicamente lixo e exploração. No entanto, em anos recentes, uma terceira teoria acabou surgindo, a noção de que a qualidade pode originar-se da combinação de mercado, lei e ética. Solução tríplice para um problema capital. Uma ofensiva em três frentes rumo a excelência. Três pilastras de sustentação para o edifício da mídia” [1]. Segundo Bertrand, “as formas cooperativas são seguramente as mais interessantes, porque elas implicam que as empresas da mídia, os profissionais e o público podem se unir em prol do controle de qualidade” [ 2].

Na EBC, construída sobre os alicerces estabelecidos por sua antecessora, a Radiobras, a ouvidoria nasceu junto com a empresa para auxiliar no cumprimento de algumas das metas definidas na lei que a criou: participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão; fomento à construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade; e cooperação com os processos educacionais e de formação do cidadão. Sendo uma empresa pública (nem privada, nem estatal ou governamental), a EBC deveria ser um dos ambientes mais propícios para as formas cooperativas de prestação de contas, como é o caso da ouvidoria, na efetivação dessas metas.

No exercício de suas atividades, as ouvidorias podem desempenhar diversas funções. O professor Mário Mesquita [3] estabelece sete níveis de atuação da ouvidoria na mídia:
a) Função crítica e simbólica: discute o jornal em suas próprias páginas, prolongando no espaço público o debate sobre decisões editoriais que tradicionalmente não saía das redações e do meio jornalístico;
b) Função mediadora: estabelece uma ponte com os leitores, respondendo às reclamações e às críticas;
c) Função corretiva: cuida da retificação dos dados inexatos e incompletos apelando se necessário para peritos;
d) Função persuasiva: recomenda medidas destinadas a reparar atos suscetíveis de lesar os direitos dos leitores;
e) Função pedagógica: explica aos leitores os mecanismos da produção jornalística, desde a relação com as fontes até a seleção das informações;
f) Função dissuasiva: com sua crítica, a ouvidoria pode influenciar (eventuais) decisões dos editores e jornalistas;
g) Função cívica: A atuação da ouvidoria pode favorecer o debate sobre temas políticos, econômicos e sociais.
Na Ouvidoria da EBC todas essas funções, em maior ou menor grau, integram as tarefas executadas por sua equipe. Nisso a participação do público é um complemento indispensável para captar eventuais erros cometidos na produção das reportagens e passar essas informações aos responsáveis para providenciar a correção. Mas, além das falhas pontuais onde o feedback do público contribui para melhorar a qualidade da informação, há demandas que apontam áreas onde a empresa pode melhorar o acesso do público usuário às informações que a empresa produz. Foram as observações dos usuários dos arquivos que sensibilizaram os responsáveis a introduzir modificações que facilitam a busca de matérias e foram as demandas dos leitores que levaram à criação de uma editoria de cultura na Agência Brasil. Em ambos os casos, a ouvidoria agiu para reforçar as iniciativas do público, enfocando esses temas nas suas colunas semanais.

Da mesma forma, as reclamações e as sugestões do público, mediadas pela ouvidoria, contribuíram para a ampliação e o aprofundamento da pauta jornalística. Para citar apenas dois exemplos, tanto na cobertura de implementação da Lei do Piso Salarial dos Professores quanto na extensão das fontes consultadas na cobertura de assuntos internacionais além das informações oriundas das agências de notícias dos países industriais, a participação do público foi um elemento essencial nas decisões adotadas pelos editores.

Portanto, o papel da Ouvidoria da EBC vai além de receber as manifestações dos cidadãos. Está prevista em suas competências a realização de uma análise crítica sobre o conteúdo produzido pelos veículos da EBC. É um trabalho de formação e de informação do público, utilizando como parâmetro a missão da empresa que é a de “criar e difundir conteúdos que contribuam para a formação crítica das pessoas”.

Além de dar voz ao cidadão e cuidar para que ela seja ouvida nas produções e redações, a ouvidoria também permite ao profissional da comunicação pública refletir sobre o que faz e como faz, avaliar o trabalho realizado e melhorar a comunicação com o seu público, sendo assim uma ferramenta importante para melhorar a qualidade dos serviços prestados e dos conteúdos produzidos.

A ouvidoria não tem nenhum poder coercitivo, ela conquista credibilidade por sua capacidade de mediar e solucionar os conflitos, fomentando uma cultura de atuação da sociedade no ambiente da comunicação pública. Recebemos as demandas, mediamos os conflitos, analisamos os benefícios acarretados ao trabalho da EBC por meio das contribuições recebidas e analisamos o serviço prestado, estimulando o exercício da cidadania e valorizando o próprio papel da sociedade.

Boa leitura

1 BERTRAND, C.J., O Arsenal da Democracia: Sistemas de Responsabilização da Mídia. Bauru: EDUSC, 2002, p.25, apud Paulino, F.O., 2009.
2 www.osce.org/serbia/24858
3 Mesquita, M, O Jornalismo em Análise – A Coluna do Provedor dos Leitores, Coimbra, Minerva, 1998, p. 37, apud Paulino, F.O., 2009.