Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já pode ser comparado às provas adotadas por países desenvolvidos para ingresso em universidades, como o S.A.T. (Scholastic Aptitude Test, Teste de Aptidão Escolar em tradução livre), nos Estados Unidos, ou vestibulares unificados de países europeus, como a França e a Alemanha. Apesar de equiparar a prova nacional a modelos estrangeiros consolidados, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Remi Castioni diz que, para que o Brasil colha os mesmos resultados educacionais das grandes economias, precisa repensar a estrutura oferecida no ensino médio.
“Precisamos definir de fato qual o papel do ensino médio e a ligação com o ingresso na universidade. É impossível o formato que o ensino médio assumiu, com 23 componentes curriculares. Por isso, ele é hoje pouco atraente e uma espécie de passagem forçada para chegar à universidade. Acabou sendo um mau necessário”, avaliou.
Segundo o professor, os jovens não conseguem entender o motivo de muitos desses conteúdos serem cobrados sem que tenham relação com as habilidades que pretendem desenvolver.
“Temos que reorganizar nosso ensino médio, sem prejudicar a formação dos jovens, mas também não desestimular seu desempenho nessa etapa. O aluno poderia ter a carga de disciplinas tradicionais, mas poderia escolher outras formações que diriam respeito mais a opções individuais e [ajudariam a] direcionar para o ensino superior”, defendeu Castioni.
Ao defender o potencial do exame para o ingresso em universidades, o professor da Faculdade de Educação da UnB alerta que as mudanças feitas no Enem ao longo dos últimos anos, descaracterizou o seu papel original. Quando foi criada em 1998, a prova tinha o objetivo de avaliar o desempenho do aluno na conclusão da escolaridade básica.
Ao longo dos anos, o Enem ganhou novas dimensões, à medida que foram agregados outros serviços ao exame, como o ingresso em instituições de ensino superior públicas, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), e privadas, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni).
“Tem um leque de opções que deu visibilidade ao exame e um contingente de pessoas que voltaram a estudar porque viram nova oportunidade. Essa magnitude precisa ser encarada e precisamos definir qual é o papel do Enem. Talvez pudéssemos ter uma conformação com um exame para avaliação do ensino médio e outro que agregasse a possibilidade de ingresso no ensino superior”, defendeu o professor.
Segundo ele, este é um momento crucial de debates sobre o papel do ensino médio. “Se tivermos um exame mais calibrado capaz de traduzir informações que possam alimentar o sistema educacional, prestaríamos um grande serviço às secretarias de Educação.”
O marco da transformação do Enem ocorreu em 2009, quando o exame passou a ser usado por várias universidades como critério de ingresso em cursos superiores.
O crescimento do Enem pode ser medido pelo número de inscrições, que passou de cerca de 100 mil, em 2008, para cerca de 6 milhões, este ano. O processo foi acompanhado por uma série de complicações ao longo dos últimos anos. Até mesmo antes de 2009, notícias veiculadas na imprensa mostraram que dados pessoais de participantes das edições de 2007, 2008 e 2009 do Enem puderam ser acessados livremente na internet.
Em 2009, as provas do Enem vazaram e o exame teve que ser cancelado e remarcado. Em 2010, os alunos receberam as provas com erros de impressão e os gabaritos não conferiam. No ano passado, alunos de um colégio de Fortaleza tiveram acesso ao conteúdo de questões cobradas no exame, que estavam em apostila distribuída pela escola semanas antes da aplicação do Enem. O vazamento ocorreu na fase de pré-testes do exame. Os alunos tiveram de refazer a prova.
“Um exame dessa grandiosidade demonstrou, em um primeiro momento, que o Brasil não tinha tecnologia para lidar com as adversidades que surgiram. Mas a experiência que o MEC [Ministério da Educação] acumulou permitiu adquirir a tecnologia necessária”, avaliou Remi Castioni. Para ele, o aprendizado acumulado pelos organizadores da prova é suficiente para contornar problemas comuns na aplicação de provas em larga escala como o Enem.
Edição: Juliana Andrade
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