Brasília - No último mês de agosto, a ouvidoria recebeu três mensagens de leitores reclamando da falta de contraditório em matérias publicadas pela Agência Brasil. Esta não é a primeira vez que a ouvidoria recebe manifestações sobre o assunto. O tema, inclusive, já foi pauta dessa coluna duas vezes neste ano. Uma publicada em 2 de abril com o título A ênfase em um lado da questão impede o equilíbrio da informação e outra em 29 de maio – Vão-se os anéis. As duas colunas podem ser revistas na página da Agência Brasil.
Para essa coluna, escolhe-se, das três manifestações, a mensagem encaminhada pelo leitor José Mayer de Aquino, que reclama de inconsistência de informações em matérias publicadas na Agência Brasil no dia 9 de agosto. A primeira notícia foi Safra de grãos será a maior da história do país, diz Mendes Ribeiro, baseada nas declarações feitas pelo ministro da Agricultura, e a outra, Moagem da cana-de-açúcar recua 16,6%, feita a partir do balanço publicado pela União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). De acordo com o leitor, as informações da Unica devem ser contraditadas com as do Ministério da Agricultura. Em resposta à manifestação do leitor, a Diretoria de Jornalismo agradeceu a mensagem e informou que suas sugestões farão parte de uma nova pauta que seria feita sobre a produção de cana-de-açúcar.
À primeira vista, a leitura realizada pelo nosso leitor parece plausível. Enquanto as previsões do ministro, baseadas no 2º Levantamento da Safra de Cana-de-Açúcar 2012/2013 da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), assinalam aumentos na produção de cana, açúcar e etanol em relação à safra passada, os dados divulgados pela Unica apontam no sentido contrário: menos cana moída e menos etanol produzido. Para o leitor, por trás desse aparente contraponto apontado em notícias distintas, há algo que clama por maiores explicações: “Não vejo um comentarista sequer associando o golpe de informação que a Unica está dando nos brasileiros. O fato é que o preço do etanol não cai. A Petrobras leva prejuízo por ter que importar combustíveis e petróleo. O brasileiro usa mais gasolina e polui mais. Os resultados da safra divulgados pelo Ministério da Agricultura hoje desmentem a Unica”.
Na verdade, os dados não são contraditórios. As diferenças se devem às divergências nos quadros de referência utilizados nas comparações, ou seja, na contextualização. Os dados da Conab são previsões de safra para todo o Brasil, comparadas aos resultados da safra anterior. Os dados da Unica se referem às quantidades processadas durante a safra pelas unidades de beneficiamento na região centro-sul (responsável por 86% da área plantada e 88% da produção de cana-de-açúcar no país), comparadas às quantidades processadas no mesmo período na safra anterior. Essas diferenças estão explícitas nas matérias publicadas pela ABr.
A Conab faz três levantamentos de cada safra. Os dois primeiros, realizados em abril e agosto, respectivamente, são projeções da produção de cana-de-açúcar e dos seus subprodutos, açúcar e etanol, baseadas em estimativas da área plantada, produtividade e outras variáveis. Foi do segundo levantamento deste ano que foram tirados os dados relatados pelo ministro da Agricultura. O terceiro levantamento, em dezembro, é mais preciso, consolidando os números finais da safra de cana-de-açúcar na região centro-sul com as estimativas da safra nas regiões Norte e Nordeste.
As estimativas podem variar bastante de um levantamento para o outro. Para a safra de 2011/2012, por exemplo, a previsão da quantidade de cana moída passou de 641,982 milhões de toneladas (primeiro levantamento) para 588,915 milhões (segundo levantamento) e terminou em 571,471 milhões (terceiro levantamento). Para a safra de 2012/2013, a revisão até agora foi menor, de 602,2 milhões de toneladas no primeiro levantamento para os 596,63 milhões no segundo, que é a cifra relatada na matéria publicada pela ABr.
Os ajustes nas previsões da Conab no decorrer de cada safra se devem principalmente à influência dos fatores climáticos, que afetam não só a produção e a produtividade agrícolas, mas também o rendimento industrial, que depende da concentração de açúcar na cana, e o ritmo da colheita e da moagem. Esses efeitos podem até ser contraditórios. Na safra atual, por exemplo, as chuvas no início do ano contribuíram para o aumento do volume da matéria-prima, mas tiveram um impacto negativo na qualidade. As chuvas também atrasaram a moagem, como informa a outra matéria publicada pela ABr, e foi esse atraso que levou à inconsistência de informações apontada pelo leitor.
A Unica, por sua vez, faz previsões de safra (para a região centro-sul), mas os números divulgados na matéria publicada pela ABr se referem aos dados acumulados de moagem, atualizados a cada quinzena. Esses dados não são previsões; são dados da produção até aquele momento e, por isso, não são comparáveis às previsões da Conab.
Para satisfazer a curiosidade do leitor, que quer saber por que o preço do etanol não cai – uma pergunta que interessa a todo cidadão –, os dados apresentados nas duas matérias publicadas pela ABr não resolvem. Sejam eles as previsões da Conab ou os dados de produção da Unica, uma contextualização baseada em comparações com a safra anterior, que costuma ser a referência adotada nesse tipo de matéria, limita-se a registrar as flutuações de curto prazo e, quando alguma análise é feita, predomina a influência dos fatores climáticos.
Uma contextualização mais adequada requer referências que abrangem prazos mais longos que permitem a caracterização de tendências na produção. Juntando essas tendências às condições dos mercados internos e externos do açúcar e do etanol ajudaria a entender porque o preço do etanol não cai. Do lado da produção, pode-se apontar, por exemplo, a redução nas taxas de crescimento na produção de cana-de-açúcar no Brasil a partir da safra 2008/09, culminando em uma queda de 10% na safra de 2011/12; a diminuição na renovação dos canaviais; e o aumento no percentual da cana dedicado à produção de açúcar em vez de etanol (o percentual dedicado à produção de açúcar cresceu gradativamente de 43% na safra de 2008/2009 a 50% na safra de 2011/2012).
Esses elementos sozinhos não respondem à pergunta do leitor, evidentemente, mas fornecem informações que faltam nas matérias baseadas nas comparações da safra atual com a anterior e as explicações que privilegiam os fatores climáticos. Portanto, a ouvidoria, junto com o leitor José Mayer, aguarda a nova pauta prometida pela Diretoria de Jornalismo para ter um contraponto de verdade.
Até a próxima semana.