Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Responsável por propor diretrizes, normas e acompanhar a tramitação de propostas de leis relacionadas à política indigenista, a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) decidiu pedir ao governo federal que revogue a Portaria nº 303 da Advocacia-Geral da União (AGU).
A decisão do órgão será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e foi tomada ontem (30), durante a 18ª reunião ordinária da comissão, conforme informaram à Agência Brasil representantes indígenas e da sociedade civil que integram a comissão, criada em março de 2006, no âmbito do Ministério da Justiça.
Atualmente, a comissão é presidida por Marta Azevedo, presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo a fundação, o texto da resolução foi aprovado por unanimidade, inclusive por representantes de outros órgãos do governo, como ministérios integrantes da comissão.
“A comissão vai recomendar que o governo revogue a portaria porque entende que ela fere a Convenção 169 [da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece os direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais e da qual o Brasil é signatário] e é contrária à Constituição Federal”, disse Sandro Emanuel dos Santos, representante da comunidade Tuxá da Bahia. “A AGU publicou a portaria sem consultar os índios e não levou em conta os interesses da comunidade”, acrescentou.
Publicada no dia 17 de julho, a portaria estende para todos os processos envolvendo a demarcação de terras indígenas as 19 condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, para aprovar a manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em terras contínuas. Na prática, a medida proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas, a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios quando significar a restrição do pleno usufruto e a posse direta da área pelas comunidades indígenas.
Segundo a AGU, a norma é apenas para ajustar a atuação dos advogados públicos à decisão do STF. Porém, também proíbe o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para uso de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
Para especialistas, lideranças indígenas e organizações indigenistas e ambientalistas, a iniciativa da AGU é inconstitucional e resultado de uma interpretação equivocada da decisão do STF que, segundo eles, se aplica específica e exclusivamente à Raposa Serra do Sol.
A AGU entende que as 19 condicionantes estipuladas pelo STF representam um marco constitucional no tratamento das questões de demarcação e de administração das áreas indígenas e que “todos os procedimentos que estão em violação àquelas condicionantes são desconformes ao direito."
Conforme reportagem da Agência Brasil do dia 20 de julho, as condicionantes ainda são alvo de ao menos seis pedidos de esclarecimentos, os chamados embargos de declaração, podendo vir a ser modificadas (o que, de acordo com a assessoria do STF, não resultaria em qualquer mudança na decisão de manter a demarcação da Raposa Serra do Sol).
Uma semana após ter publicado a portaria, a AGU decidiu, em resposta à polêmica suscitada pela iniciativa e a um pedido da Funai, adiar até 24 de setembro a entrada em vigor da norma. Durante o período de vacância da portaria, a Funai deverá consultar os povos indígenas sobre o assunto. Segundo assessoria da AGU, até o momento, a orientação é de que a portaria entre em vigor de fato no próximo dia 24.
Mesmo após a AGU ter suspendido os efeitos da portaria, índios de todo o país continuam protestando contra a iniciativa, bloqueando rodovias e ocupando prédios públicos. Na manhã de hoje(31), em reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e representantes da AGU e da Funai, lideranças indígenas prometeram intensificar os protestos caso a portaria não seja revogada.
Edição: Carolina Pimentel