Livro de moradora do Complexo da Maré busca reflexão sobre efetividade de políticas de segurança nas favelas da região

21/08/2012 - 18h28

Paulo Virgilio
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Maior conjunto de comunidades do Rio de Janeiro, o Complexo da Maré, na zona norte da cidade, à margem da Baía de Guanabara, abriga desde os anos 1990 o único batalhão de Polícia Militar dentro de uma favela. Mas, mesmo com a presença policial, a região experimentou, nas últimas décadas, o crescimento da violência, com três facções criminosas e uma milícia disputando o controle das 16 comunidades do complexo, onde vivem mais de 130 mil pessoas.

Escrito por uma autora oriunda da própria comunidade, onde morou por três décadas com sua família, compartilhando os mesmos dramas vividos pelos demais moradores, o livro Testemunhas da Maré busca respostas para o fracasso das sucessivas políticas de segurança pública implementadas no complexo. Resultado de uma tese de doutorado em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a obra, de autoria de Eliana Silva, será lançada nesta quinta-feira (23), na Livraria Argumento, zona sul da cidade.

O livro, que tem prefácio do antropólogo Luiz Eduardo Soares, mescla depoimentos em primeira pessoa, fragmentos do cotidiano da comunidade, entrevistas com personagens que constroem o dia a dia da Maré e dados de uma pesquisa feita pela autora. Eliana Silva relata momentos dramáticos, como o de uma criança de 3 anos de idade que, agarrada à mão da avó, foi atingida na barriga por uma bala. “Justamente no momento em que os policiais passaram atirando sem olhar para o que havia na frente”, conta a autora no livro, ao descrever a cena que presenciou, abrigada em uma farmácia da favela.

Para Eliana Silva, as soluções em matéria de segurança pública passam, prioritariamente, pelo aprofundamento da noção de cidadania e pela garantia de direitos aos moradores desses territórios. “O que deveria ser a missão da polícia, de atuar na prevenção do crime, não é a realidade da favela. A gente só tem a presença da polícia em momentos de conflito. É uma presença que carrega um medo muito grande, por parte da própria polícia, de chegar nessas áreas”, constata. “Para mim, a questão tem que ser pensada não somente em ações concretas de enfrentamento ao crime organizado, mas também como se garante o direito à segurança nessas áreas onde esses grupos dominam”, observa.

Eliana Silva mostra sua indignação com o fato de ter crianças e adolescentes atingidos por tiros durante as incursões policiais, fato que continua a fazer parte do cotidiano das favelas cariocas, como atesta o noticiário. “A polícia não pode chegar, independentemente de ali existirem grupos criminosos armados, da maneira como ela chega, achando que qualquer pessoa que está ali, naquele contexto, é potencialmente criminosa. E é por isso que a gente está vendo tanta criança morrer”, estima.

Atualmente, Eliana Silva coordena as Redes de Desenvolvimento da Maré, organização que desenvolve projetos em várias áreas e atua para elevar os índices de qualidade de vida das comunidades do complexo. Com base em sua experiência, ela considera as unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) uma resposta às questões colocadas no livro.

Mas ela destaca que as UPPs se constituem como uma parte do sistema de segurança e, não, a solução definitiva para a questão da violência. “As UPPs ainda não constituem uma política pública. São uma tática, que está sendo implementada e avaliada com relação à sua eficácia, na garantia da segurança às comunidades e a toda a cidade do Rio de Janeiro”.

Para Eliana Silva, a questão está em saber como essa tática vai ser sustentada ao longo do tempo. “O desafio da polícia pacificadora será o de passar de uma tática para uma política pública permanente”.


Edição: Lana Cristina