Da Agência Brasil
Brasília – O ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra foi um dos policiais mais poderosos a atuar na repressão do regime militar entre as décadas de 1970 e 1980. Embora, segundo ele, tenha matado quase uma centena de pessoas, ressaltou que nunca torturou. Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, transmitido na noite de ontem (5), Guerra relatou ao jornalista Alberto Dines, âncora do programa, os crimes e os bastidores da ditadura militar (1964-1985).
“Eu tinha aversão, não participava e era contra a tortura. Por isso nunca entrei nos lugares [de tortura], como a Casa da Morte [centro clandestino de tortura e assassinatos em Petrópolis, na região serrana fluminense]. Aqui no Espírito Santo, eu procurava tirar da minha equipe os policiais que torturavam”, disse Guerra em sua primeira entrevista após o lançamento do livro Memórias de uma Guerra Suja, originado de seus relatos aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto.
Aos 71 anos, Guerra é hoje pastor evangélico. Ele se converteu na cadeia, enquanto cumpria pena em regime fechado pela morte de um bicheiro. Atualmente, está sob prisão domiciliar. A vontade de contar a verdade, segundo ele, foi motivada pelo arrependimento após a conversão. “Se eu tive coragem naquele passado lá de fazer as coisas erradas, muito mais coragem eu tenho hoje de falar a verdade e de poder ajudar e reparar um pouquinho as coisas erradas que eu fiz”, disse.
Guerra também declarou que foi responsável pela incineração de corpos de militantes de esquerda na Usina Cambaíba, em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. “[Os agentes da ditadura estavam] querendo eliminar mais inimigos. Enterravam como indigente, com nome trocado. Só que isso estava começando a aparecer, e eles queriam uma alternativa. Queriam o negócio do fogo. Foi quando eu apresentei o Eli Ribeiro, dono da Usina Cambaíba, a eles”.
Segundo o ex-delegado, todos os corpos dos presos políticos chegavam seminus, castrados e com fraturas expostas. “São cenas que me deixam muito abalado. Para mim, a pior época foi essa”, lamentou. No entanto, Guerra acredita que isso o motivou a revelar às famílias o que de fato ocorreu. “Tenho um grande compromisso com as famílias, porque foi o que mais me machucou. Tinha apagado isso da minha mente, mas muita coisa está voltando à minha memória”.
Para ex-delegado do Dops, os militares daquela época não estavam preparados para lidar com a oposição ao regime. Para ele, o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, é um exemplo disso. “Sabia que ali não tinha sido suicídio, foi uma burrada, mais um morto sob tortura. A pessoa que comandou aquilo prejudicou mais. O grupo de direita queria trazer a simpatia da sociedade para a causa deles, mas foi justamente o contrário. Aquilo foi um tiro no pé”, revelou.
De acordo com Guerra, durante a ditadura militar, era comum militares receberem “gratificações” de empresários. “Eles participavam e davam prêmios para quem executava líderes. “Eu não cheguei a ganhar bônus direto. Recebia um [bônus] mensal. Eu tinha duas contas, em nome de Cláudio Guerra e de Stanislaw Meireles”.
Após a publicação do livro, Guerra disse que foi ameaçado de morte. No entanto, para ele, “morrer é lucro”, uma vez que agora é um homem religioso. “Já recebi um monte de aviso. Mas não vão me calar. Não sou dedo-duro, vou falar na primeira pessoa. Não me sinto dedo-duro de ninguém”.
Edição: Aécio Amado