Paulo Virgilio
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Ambientalistas que vêm acompanhando as discussões prévias para a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, educadores e autores de literatura infantojuvenil consideram que a educação das crianças para o contexto da sustentabilidade é uma questão que precisa ser aprofundada nas agendas, oficial e paralela, do evento que será realizado de 13 a 22 de junho deste ano, no Rio de Janeiro.
Segundo a escritora Anne Raquel Sampaio, nas reuniões preparatórias da Cúpula dos Povos, das quais vem participando, há uma dificuldade muito grande na abordagem da questão da criança. “Como existe uma preocupação muito grande com os temas maiores, a relação da criança com o meio ambiente é vista como um tema menor. Mas se a gente não fizer a cabeça das gerações futuras, simplesmente não haverá geração futura”, opina.
Doutora em educação e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), onde coordena o fórum Infâncias e Escolas da Natureza, Léa Tiriba considera que é preciso “desemparedar” as crianças, no âmbito da educação infantil. Em documento para o Ministério da Educação, ela apontou a necessidade de “religar” as crianças com a natureza como uma das diretrizes básicas de uma educação ambiental voltada para a infância.
“Não basta ficar contando histórias. Precisamos 'religar', isto significa colocar as crianças em contato direto com a natureza. As crianças não podem aprender a amar e preservar alguma coisa que elas não conhecem. Nos grandes centros urbanos, as escolas substituem gramados naturais por sintéticos, as crianças andam sempre de tênis, elas não podem brincar com água e com o pé no chão. O processo de ensino hoje é centrado no racional. A criança senta na cadeira e aprende da cabeça para cima”, observa a educadora.
Para Léa Tiriba, as propostas básicas de uma educação ambiental são válidas não apenas para o sistema de ensino, mas para toda a população. “A visão que temos hoje do mundo é fragmentada. Se pedirmos a um grupo de pessoas para desenhar a natureza, a grande maioria vai desenhar pássaros, árvores, água, montanhas, rios, mas o ser humano não aparece no desenho. A partir da Revolução Industrial foi se constituindo uma concepção de mundo que separa seres humanos e natureza. Isso não é uma característica das culturas tradicionais e da própria sociedade ocidental na época da Idade Média, em que a própria ciência não rompia com a ideia de um ser humano apartado da natureza”.
O resgate de tradições ancestrais, presentes na herança cultural brasileira, também deve fazer parte de uma educação ambiental religada à natureza. “Os povos tradicionais têm o que nos ensinar. Eles tinham uma relação com a natureza que era de outro tipo. Nós precisamos aprender com essas culturas”, diz a educadora. Ela lembra que o acesso das crianças a esses mitos e lendas se dá através da literatura e das histórias contadas por professores, pais, avós e outros parentes. “Contar histórias alimenta a relação entre adultos e crianças, que é outra questão fundamental em nossa sociedade hoje”, acrescenta.
Autora de seis livros infantojuvenis baseados em mitos indígenas e focados na temática ambiental, Anne Raquel Sampaio concorda com Léa Tiriba. Ela pretende lançar durante a Rio+20 sua mais recente obra, Gigantes de Pedra, que procura trazer os mitos e lendas dos tupinambás, índios que habitavam a região de Mata Atlântica que hoje é o Rio de Janeiro, para os dias atuais, no contexto da realização da Conferência da ONU, na cidade.
Na história, duas crianças estrangeiras, uma menina francesa e um garoto inglês, vêm ao Rio, acompanhando seus pais, que trabalham nos preparativos da conferência. Por causa das informações que recebem, as duas crianças ficam muito preocupadas com o futuro do planeta. Impressionadas com a visão da Pedra da Gávea, que lembra um rosto esculpido na rocha, as crianças tomam conhecimento, por meio de um antropólogo, dos mitos e lendas dos tupinambás sobre a montanha. E aí decidem subir a Pedra da Gávea para entender o que está acontecendo com o planeta.
“Toda essa informação veiculada pela mídia sobre as ameaças à sobrevivência do planeta está provocando um tumulto na cabeça das crianças. Daí a necessidade de um processo educativo que mostre a elas o que pode e deve ser feito para um futuro sustentável”, relata a autora da obra.
Para Léa Tiriba, é fundamental que esse debate inclua as questões do desperdício e do consumismo. “É preciso aprofundar a discussão sobre as relações que existem entre desequilíbrio ambiental e as nossas compras de todo o dia. As mulheres ainda são as maiores responsáveis pelas compras familiares e os dados apontam que 80% do que uma família compra estão relacionados com os interesses das crianças, desde a comida até objetos”, observa.
O fórum que Lea Tiriba coordena na UniRio discute questões ambientais do dia a dia com as escolas, como, por exemplo, formas de economizar papel e eliminar da lista de materiais itens que representam desperdício. “As crianças têm condições de entender o espaço que os copos plásticos ocupam num lixão, por exemplo”. Uma forma didática e afetiva de educação ambiental que ela sugere é a de promover o plantio de vários materiais com a participação das crianças. “Elas vão perceber que, ao contrário das mudas e sementes, plásticos não vão brotar da terra”.
Com base em sua experiência como educadora ambientalista, Léa Tiriba diz que a criança, na faixa de idade da educação infantil, não tem esquema mental para compreender que a água e o oxigênio do planeta podem acabar, mas pode perfeitamente entender que a água vem de longe, que passa por um tratamento até chegar à torneira e que muitas crianças como ela precisam tomar banho. “Por isso, não é difícil explicar que as crianças que nascerem depois dela também terão que tomar banho e que, por isso, ela não deve fazer como muitos adultos, que enquanto escovam os dentes, deixam a água escorrendo”.
Edição: Lana Cristina