Monica Yanakiew
Correspondente da EBC na Argentina
Buenos Aires – Seis dias após o acidente de trem em Buenos Aires que matou 51 pessoas e feriu mais de 700, o governo argentino anunciou hoje (28) a intervenção, por duas semanas, na empresa Trens de Buenos Aires (TBA).
A empresa obteve em 1995 concessões do Estado para operar as linhas Sarmiento e Mitre, que transportam 300 mil passageiros por dia. O acidente, o terceiro pior desde 1970, ocorreu na linha Sarmiento, no último dia 22, quando um trem não conseguiu frear a tempo e bateu na barreira da plataforma da estação do bairro Once – uma das mais movimentadas da capital argentina.
Em entrevista coletiva, o ministro do Planejamento, Júlio de Vido, explicou que a intervenção, decidida pela própria presidenta Cristina Kirchner, tem por objetivo garantir a segurança dos passageiros enquanto a Justiça investiga os motivos do acidente. Além de nomear um interventor, Raul Barido, o governo mobilizou a Comissão Nacional de Regulamentação do Transporte, empresas estatais do setor ferroviário e prefeitos dos municípios por onde passam as duas linhas de trem.
“O sistema ferroviário argentino vem sofrendo uma gigantesca deterioração desde 1958 até 2003”, disse De Vido. “Quase meio milhão de pessoas usam essas duas linhas diariamente. É nossa obrigação velar pela segurança dos usuários”.
O secretário de Transporte, Juan Pablo Schiavi, lembrou que 80% dos passageiros “são trabalhadores” e precisam continuar usando o trem. Por isso, disse, “o Estado estará mais presente” até que os peritos determinem se os vagões e trilhos têm problemas e se podem operar normalmente.
Ontem (27), a presidenta Cristina Kirchner falou pela primeira vez sobre o acidente. “A perícia para determinar os responsáveis diretos e indiretos [do acidente] pode durar mais de 15 dias e não quero que digam que a presidenta está fixando os prazos da Justiça, mas os 40 milhões de argentinos e as vítimas precisam saber”, disse Cristina, em discurso.
O acidente reabriu o debate na Argentina sobre as privatizações das estatais, ocorridas na década de 90, durante o governo de Carlos Menem. Especialistas dizem que os contratos foram mal feitos porque beneficiaram as empresas que receberam concessões. As empresas que operam linhas de passageiros, como a TBA, não são obrigadas e investir em infraestrutura – os trens, os trilhos e a sinalização pertencem ao Estado, que também concede volumosos subsídios para manter os preços baixos. Mas o Estado tampouco tem os mecanismos para obrigá-las a cuidar da manutenção.
“Os inspetores da Comissão Nacional de Regulamentação do Transporte podem apontar falhas e recomendar consertos, mas as empresas podem recorrer à Justiça e dilatar os prazos”, explicou, em entrevista à Agência Brasil, o presidente do Instituto Argentino de Ferrovias, Pablo Martorelli. Segundo ele, o último programa de investimento no sistema ferroviário argentino data de 1999, época das privatizações. Somente em 2003, durante o governo de Nestor Kirchner – marido de Cristina, morto em outubro do ano passado –, o Estado rescindiu contratos de concessões com empresas privadas e investiu na recuperação de algumas linhas.
Edição: Lana Cristina