Coluna da Ouvidoria - Pela liberdade de comunicação

14/10/2011 - 11h41

Brasília - Ao Estado brasileiro foi atribuído o direito de outorgar espaços no espectro eletromagnético, ou seja, conceder canais de rádio e televisão para grupos e/ou pessoas que assim os reivindiquem e obedeçam a certos critérios. Mas quais são os critérios para tais concessões?

Em um Estado democrático de direito, ou seja, regido por uma Constituição, pressupõe-se regras claras, republicanamente elaboradas e aplicadas a todos os cidadãos indistintamente. Mas no caso das concessões de rádio e televisão parece que na prática a coisa funciona de maneira um pouco diferente.

A história tem mostrado que alguns têm certos privilégios para obter e manter concessões enquanto outros lutam a vida inteira e não as conseguem. Esse é o caso da maioria das rádios comunitárias que durante o longo processo de outorga freqüentemente sofrem a “fiscalização” da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, tendo seus equipamentos apreendidos e suas sedes fechadas depois de vasculhadas pela Polícia Federal.

A matéria ONGs se queixam da repressão da Anatel a rádios comunitárias ..., publicada dia 1 de outubro pela Agência Brasil, tratava justamente de recentes episódios que culminaram com o fechamento de 153 emissoras “irregulares” de rádio, entre agosto e setembro. Nela, a reportagem ouviu fontes da Associação Mundial de Rádios Comunitárias e a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), organizações não governamentais (ONGs) que defendem a ampla liberdade de comunicação.

Do outro lado a reportagem ouviu as explicações protocolares da agência reguladora justificando a ação repressiva.

No entanto, no ultimo parágrafo da matéria uma informação causou estranheza a vários leitores. Sem identificação da fonte e totalmente fora do contexto, ela reafirmava um velho mito(*) sobre a interferência de rádios não autorizadas nas comunicações da polícia.

Essa informação, classificada por alguns leitores como sendo uma opinião pessoal da repórter que assinava a matéria, mais tarde teve sua autoria atribuída a um “erro de edição” na resposta dada pela Diretoria de Jornalismo – Dijor aos leitores.

A leitora Roseli Goffman escreveu: “Estou surpresa com a matéria da Agencia Brasil, parece estranho o rumo das falas da ultima, como se estivessem em crise de identidade de seus princípios editoriais. Para nós que lutamos por uma comunicação democrática e por diversidade na oportunidade dos sujeitos veicularem conteúdos, é inexplicável esta repetição do tratamento que tem sido historicamente conferido as rádios comunitárias no Brasil. Nos surpreende mais ainda que o discurso veiculado é preconceituoso e reproduz a tentativa de criminalização que vem sendo orquestrada por aqueles que detém a ‘propriedade’ de concessões públicas.”

Continuando, Roseli acrescentou: “Entendemos que a EBC, se é governo, é simultaneamente pública, e se estamos realmente em uma democracia, é preocupante a Agencia Brasil posicionar-se em defesa  das fronteiras do poder dominante e atacar  as forças de resistência das rádios comunitárias, que apesar das opressões, insistem. Vale lembrar que a legislação totalmente arbitrária imposta as rádios comunitárias no Brasil é  caso único e isolado na democracia mundial. E para conseguirmos mudar esta legislação, que já caducou, favor consultar a proposta construída  pela sociedade  em: http://www.comunicacaodemocratica.org.br/

Orlando Guilhon, outro leitor, escreveu: “Em matéria da Agência Brasil, de 01 de outubro deste ano, sobre o posicionamento das entidades que organizam  a luta das rádios comunitárias no Brasil (ABRAÇO e AMARC), a repórter da Agência Brasil fecha seu texto com uma frase, no mínimo, infeliz: ‘...Na tentativa de burlar o controle do Poder Público, as rádios ilegais acabam operando em frequências inadequadas e podem interferir em serviços essenciais, como controle de tráfego aéreo e comunicações da polícia e dos bombeiros, acarretando riscos à população...’  

Continuando, Orlando considerou: “Em primeiro lugar, a repórter confundiu seu papel como jornalista, de apurar a notícia, e as diversas opiniões sobre o tema, com o equivoco de emitir uma opinião pessoal a respeito. Que o poder público, e o representante da ANATEL em particular, pense desta forma, tudo bem, é uma opinião polêmica, mas esperada do poder público. Que a repórter assuma tal opinião como sua, e a transforme em verdade absoluta dos fatos, é lamentável. Seria o caso de sugerir à nossa repórter que aponte um caso, apenas um caso, de seu conhecimento, em que a transmissão de uma rádio 'ilegal' (comunitária ou livre) tenha efetivamente interferido no ‘...controle de tráfego aéreo e nas comunicações da polícia e dos bombeiros...’. A repórter terminou reproduzindo a lógica e o argumento das empresas privadas de comunicação, que usam tais argumentos para pressionar o poder público no sentido de reprimirem a legítima manifestação de liberdade de expressão de setores organizados da sociedade brasileira.”

Guilhon concluiu: “A EBC é efetivamente uma empresa estatal, mas suas mídias (com exceção da NBR) são públicas. A Agência Brasil é uma mídia pública, seu papel não é a de reproduzir o argumento do poder público, mas sim de noticiar o fato e oferecer ao leitor (neste caso) as diversas opiniões sobre o tema. Ao encerrar a matéria com esta frase infeliz, a repórter da Agência Brasil adotou a versão da ANATEL como sendo uma verdade absoluta, ajudando a confundir comunicação pública com comunicação estatal. Lamentável.”

Em resposta a estes e a outros leitores que protestaram, a Diretoria de Jornalismo esclareceu: “De fato o paragrafo: ‘ Na tentativa de burlar o controle do Poder Público, as rádios ilegais acabam operando em frequências inadequadas e podem interferir em serviços essenciais, como controle de tráfego aéreo e comunicações da polícia e dos bombeiros, acarretando riscos à população...’, como sugere o leitor, é a posição da Anatel e ficou como se fosse da repórter por um erro de edição. Imediatamente após tomar conhecimento do erro a Agência Brasil excluiu o parágrafo do texto. Fez mais correções em uma frase que falava de frequência do transmissor, quando tratava-se de potência do transmissor e deixou mais claro o conceito de ‘rádios livres’. “

A Dijor também considerou: “Ao contrário do que o leitor sugere, não houve intenção da repórter e da Agência Brasil de reproduzir ‘o argumento do poder público’ ou que tenha adotado ‘a  versão da ANATEL como sendo uma verdade absoluta’ e que tenha ajudado a confundir comunicação pública com comunicação estatal. Não há elementos no texto que possam levar a qualquer leitor confundir o que é comunicação pública ou estatal. A matéria trata apenas de alertas feitos por ativistas sobre a atuação da Anatel sobre o novo marco regulatório, assunto que estaremos tratando nesta semana ouvindo todas as partes: Ministério das Comunicações, Anatel, Associação Brasileira de Rádios Comunitárias e especialistas no assunto.  Na verdade, a matéria se sustenta em fontes de duas entidades ligadas às rádios comunitárias: Arthur William, da Associação Mundial de Rádios Comunitária e José Sóter, da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias. As fontes citadas na matéria não fizeram qualquer tipo de ressalva ao texto.” 

Erros de edição ou equívocos como esse, apesar de remediados, correram o mundo reforçando o mito da criminalização das rádios comunitárias, como ressalta Roseli Goffman.

Tal como as rádios comunitárias, a Agência Brasil é um veículo público de comunicação que tem na sua origem e na sua própria razão de existir a liberdade de imprensa, de comunicação e de pensamento. Seu conteúdo deve contribuir de maneira decisiva para que estes valores se propaguem por toda a sociedade. Qualquer mentira que ameace esses direitos deve ser veementemente repudiada e nunca reproduzida.

Até a próxima semana.

(*) - Sobre o mito da interferência, leiam o texto publicado no site do  
Ministério da Cultura:
http://www.cultura.gov.br/site/2003/03/30/o-mito-da-interferencia-no-espectro-de-radio-por-david-weinberger/