Monica Yanakiew
Correspondente da EBC na Argentina
Santiago - O conflito entre estudantes e o governo chileno, que já dura quatro meses, chegou a um impasse. Alunos do ensino médio e superior rejeitaram a proposta do presidente Sebastián Piñera de passar as próximas semanas discutindo a educação. Depois de 11 horas de reuniões e manifestações em todo o país, eles decidiram apresentar na próxima segunda-feira (12) uma proposta alternativa. Querem o diálogo, mas sob certas condições.
Tanto os estudantes quanto o governo concordam que a educação no Chile é cara e ruim. O governo propôs criar três mesas de trabalho para negociar uma reforma em três semanas. Na segunda-feira passada (5), foi definido um calendário de negociações. Na primeira semana, eles discutiriam bolsas de estudo e linhas de crédito para os estudantes; na segunda, maior fiscalização de escolas e universidades; por último, uma reforma constitucional, garantindo educação mais acessível e de melhor qualidade para todos. Os estudantes e professores acham que a reforma constitucional deveria estar em primeiro lugar. Eles temem que o governo conceda algumas regalias sem modificar o principal: um sistema que deixa a educação nas mãos da iniciativa privada.
Em entrevista à imprensa, o porta-voz do governo, Andres Chadwick, reconheceu que houve abusos por parte dos empresários que vivem da educação. No Chile, as universidades públicas e privadas são pagas, mas a lei proíbe que lucrem com a educação. Chadwick admitiu que muitos donos de universidades particulares são também donos de imobiliárias para burlar a lei: dizem que não têm lucro porque gastam o dinheiro no aluguel de imóveis que lhes pertencem. "Isso, no Chile, não foi fiscalizado e foi tolerados por todos os governos. Todos se orgulhavam do fato de, com as universidades privadas, o número de alunos universitários ter passado de 350 mil para 1,1 milhão", disse ele. "Por isso, vamos criar um órgão para fiscalizar o ensino superior".
Para os estudantes, não basta. Mesmo que as universidades deixem de lucrar, elas continuam sendo pagas e são caras. Estudantes sem recursos têm que pedir financiamento aos bancos e começam a carreira profissional endividados. O governo propôs baixar os juros, mas alunos, pais e professores querem universidades públicas e gratuitas, como existem na Argentina e em países europeus.
Outro tema em debate é o ensino secundário. No Chile, existem escolas privadas, que são caras, e escolas públicas, que são gratuitas, mas de péssima qualidade, porque não têm recursos suficientes e são controladas pelos municípios. Entre um extremo e outro estão as escolas privadas subsidiadas pelo Estado, que custam menos que as privadas, mas também não oferecem ensino de qualidade.
"É um sistema que não faz sentido: em vez de investir diretamente no ensino publico, o governo entrega dinheiro aos donos de escolas secundárias que, ao contrário dos donos das universidades, têm direito ao lucro. Ninguém fiscaliza como funcionam e, no fim das contas, os subsídios são pagos com os impostos de todos os chilenos - inclusive aqueles que pagam para enviar seus filhos a essas escolas sem ter certeza de que estarão em condições de entrar para uma universidade", disse à Agência Brasil o economista Marcel Claude. Segundo Chadwick, o governo quer resolver o problema, sem mudar o sistema: em vez de estatizar as escolas, criar um órgão para fiscalizá-las.
Se o governo ceder às reivindicações dos estudantes e der prioridade ao ensino gratuito e de qualidade para todos, terá que buscar dinheiro para financiá-lo. "Será necessário fazer uma reforma tributária, que foi o que os estudantes propuseram", disse Marcel Claude. "A carga tributária no Chile é baixa: 19% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente a metade da carga tributária de países desenvolvidos. Uma razão é que as empresas não pagam impostos. O que elas pagam é devolvido aos proprietários quando fazem seu Imposto de Renda".
Os estudantes contam hoje com o apoio de oito em cada dez chilenos, mas sofrem pressões do governo. Se não voltarem às aulas, o governo diz que cortará as bolsas de estudo e os créditos estudantis daqueles que não terminarem o ano letivo. Se não chegarem a um acordo para dialogar com o governo, terão que discutir seus problemas no Congresso. Mas eles desconfiam dos parlamentares, já que muitos têm interesses na indústria da educação.
Edição: Graça Adjuto