Coluna da Ouvidoria - Criar expectativas

09/09/2011 - 9h24

Brasília - Em 26 de agosto de 2010, a Agência Brasil noticiou: Telebras anuncia as 100 cidades que terão internet rápida ainda em 2010. No dia 30/11/2010 a ABr publicou uma nota comunicando o adiamento da execução das metas do Programa Nacional de Banda Larga - PNBL de 2010 para abril de 2011. Contudo, naquele mês, a notícia Com cortes de orçamento, metas do programa de banda larga para este ano não serão cumpridas, informava sobre um novo adiamento. Finalmente, em 22 de agosto de 2011 a matéria Município goiano será o primeiro com banda larga por R$ 35 ao mês dava conta do início da implantação física do Programa.

Entre a primeira e a última matérias citadas houve várias outras que relataram atrasos e dificuldades na criação das condições necessárias para que o Programa decolasse. Apresentadas isoladamente, essas dificuldades pareciam ser apenas detalhes, mas quando analisadas em seu conjunto revelam uma verdadeira queda de braço entre o governo e as empresas do setor para as quais o PNBL poderia significar “canibalizar seu serviço mais rentável”, segundo o presidente da Telebrás.

Ao ler a notícia publicada dia 22 de agosto último, o leitor Anderson Mariano, de Aquidauana – MS, perguntou: “gostaria de saber se os modens convencionais suportarão o acesso à internet... e quando isso chegará aqui? Em minha cidade não tem uma utilização maior por falta de rede.”

A informação solicitada pelo leitor e outras, contidas na resposta a seguir, são fundamentais para que o cidadão esclareça se será ou não beneficiado ou de que forma poderá eventualmente participar do Programa e por isso precisariam constar da matéria original da ABr.

A Diretoria de Jornalismo respondeu: “em relação ao modem de acesso, o usuário poderá utilizar um aparelho que já possui se ele for compatível com a tecnologia que será oferecida pelo provedor que aderir ao Programa Nacional de Banda Larga em sua cidade. A Telebras está firmando parceria com diversos provedores, e cada um tem a sua forma de oferecer o acesso final aos usuários. incipiente Mas dependendo da tecnologia oferecida em cada cidade, é possível utilizar um aparelho que o consumidor já tenha adquirido anteriormente, como modems de acesso via linha telefônica fixa ou mesmo os modems de acesso 3G.

Sobre a chegada do Programa Nacional de Banda Larga em seu município, a Telebras informa que possui planejamento de atender cidades distantes a, no máximo, 100 km do backbone (rede nacional que está sendo implantada pela Telebras). Inicialmente, a rede está prevista para chegar até Campo Grande então, o atendimento de Aquidauana somente será possível caso seja firmada alguma parceria com provedores locais. A meta da Telebras é chegar a 4.283 municípios brasileiros em todas as regiões do país até 2014, beneficiando cerca de 162 milhões de pessoas.

No setor de telefonia móvel, as operadoras TIM e Claro já firmaram acordo com governo para oferecer internet por meio da tecnologia 3G com velocidade de 1 megabit por segundo a preços populares. No caso da TIM, vai custar R$ 35 e as primeiras localidades atendidas serão no Distrito Federal e em Goiás, mas a expectativa é contemplar 1.000 cidades até 2012. A Claro vai oferecer internet móvel a R$ 29,90 para todos os 515 municípios onde já tem cobertura 3G (que não inclui Aquidauana).”

A mídia, ao anunciar o lançamento de politicas públicas de grande impacto na vida do cidadão, cria expectativas que nem sempre se realizam. Muitas dessas expectativas são criadas pela facilidade de fazer promessas sem que as condições objetivas para que elas se realizem estejam disponíveis. Mas como o repórter pode saber se essas condições objetivas ( recursos tecnológicos, financeiros e humanos) estão ou disponíveis para realizar aquilo que as autoridades prometem?

Por princípio a reportagem deve acreditar no que sua fonte diz, mas isso não impede que se apure e verifique com outras fontes se a politica pública, suas metas, seus métodos e cronogramas são realizáveis, se têm consistência técnica, econômica e politica para que aconteçam. Essa apuração e verificação faz parte de um jornalismo responsável para com o cidadão, justamente para não se criar falsas expectativas.

O PNBL talvez seja um dos programas governamentais mais controversos dos últimos tempos. Quando analisado sob diferentes pontos de vista revela-se bastante complexo, envolve interesses privados (de empresas operadoras de telefonia, de tevê a cabo, fabricantes de equipamentos), interesses públicos (acesso ao mundo digital, à informação e ao conhecimento) e interesses governamentais (garantia de direitos de comunicação, informação e entretenimento do cidadão), ou seja, boa parte da construção de nossa identidade, cidadania e, em última instância, da nossa democracia.

Para analisarmos como o assunto vem sendo coberto pela Agência Brasil precisamos resgatar um pouco da história desse processo que se inicia com a privatização das telecomunicações na década de 90 que retirou do Estado brasileiro não só a propriedade da infraestrutura e entregou a operação do sistema, por meio de outorga, à empresas privadas como também comprometeu a longo prazo o papel do Estado de legislar, regulamentar e fiscalizar o setor.

Dominada pelos preços e pelas práticas de mercado as politicas públicas de telecomunicações tornaram-se ineficazes do ponto de vista estratégico para alavancar o desenvolvimento social politico e econômico da nação garantindo, por meio das comunicações, acesso universal ao conhecimento, à cultura e à informação.

Na fase final da gestão Lula (novembro de 2009) foi publicado um sumário executivo de um Plano Nacional de Banda Larga (*), tornando público quais eram as intenções do governo ao tentar retomar o protagonismo das ações do Estado para o setor.

Daquele documento eram possíveis serem extraídas dezenas de pautas que investigassem as metas e diretrizes ali propostas, permitindo que se estabelecesse um perfil do que seria o futuro programa. Esse perfil contribuiria para o planejamento ao longo do tempo de toda a cobertura, servindo de referencial para se avaliar e fiscalizar seu andamento politico, fiscal, financeiro e tecnológico.

O Decreto (**) que instituiu o Programa Nacional de Banda Larga foi publicado seis meses depois (maio de 2010), reativando a antiga Telebrás como órgão responsável pela execução da politica pública. Como a lei não estabeleceu metas quantitativas nem um cronograma de implantação, a mídia se preocupou muito mais em polemizar sobre o ressurgimento da estatal do que em cobrar definições por parte do governo.

A partir de então a Agência Brasil publicou centenas de matérias tentando acompanhar as idas e vindas, avanços e recuos que retratam factualmente as dificuldades do governo em assumir algum tipo de protagonismo da politica de telecomunicações.

Para analisarmos a cobertura da Agência Brasil colocamos em uma linha do tempo o conteúdo das notícias desde agosto de 2010 até o presente momento. Colocada desta forma, vimos que a cobertura da ABr flagrou as idas e vindas, os avanços e recuos a que nos referimos, mas não conseguiu traçar um fio condutor que ligasse essas notícias explicando por que os fatos aconteceram, contextualizando-os a partir do processo em curso.

Se sistematizada com o auxílio de infográficos com linhas do tempo seria possível ainda a cobertura oferecer ao leitor uma visualização da evolução das negociações entre o Estado e as empresas privadas, entre as promessas e anúncios feitos pelas partes envolvidas e aquilo que foi efetivamente realizado, entre as expectativas criadas e as correspondidas.

Nota-se que a cobertura da mídia comercial envolve interesses das corporações às quais os veículos pertencem, pois direta ou indiretamente, estão ligados ou são de propriedade de empresas de telecomunicações ou de tevê paga. Ambos os setores comemoram ano após ano recordes de público e de faturamento graças a uma crescente demanda reprimida, a mesma que o PNBL pretende atender.

No material publicado até hoje pela ABr há informações suficientes sobre o assunto faltando apenas alinhavá-las, pinçando as de maior importância para que o leitor tenha uma visão panorâmica sobre os acontecimentos.

Desta forma, a agência pública cumprirá com seu caráter de complementaridade entre a mídia privada e a estatal, previsto na Constituição e que justifica sua existência, não sendo pautada nem pelo Estado nem pela iniciativa privada, criando sua própria leitura desta complexa realidade. Ela pode diferenciar sua cobertura daquela praticada pela mídia comercial indo além dos fatos em si e permitindo ao leitor ligar os acontecimentos, compreender o processo e o que está em jogo e, a partir disso, talvez, se organizar para influir mais decisivamente a favor de seus próprios interesses.

Enquanto isso não ocorre continuamos pagando por uma das piores e mais caras conexões de banda larga do mundo, segundo mostram as pesquisas de organismos internacionais (***) citados na matéria Abrangência, preço e conteúdo prejudicam expansão da banda larga no Brasil, aponta Seprorj, publicada em novembro de 2009.

Voltaremos em 14 de outubro após as férias anuais do Ouvidor Adjunto.

(*) - disponível em: http://www.mc.gov.br/plano-nacional-para-banda-larga

(**) - disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7175.htm

(***) - disponível em espanhol: http://www.itu.int/ITU-D/ict/publications/idi/2010/Material/MIS_2010_Summary_S.pdf