Da BBC Brasil
Brasília - O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, informou que é provável que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) revise sua decisão sobre Belo Monte, alterando a solicitação feita ao governo brasileiro, no início de abril, para que paralise as obras da hidrelétrica no Rio Xingu.
"Como vai revisar eu não posso dizer, porque não estou autorizado. Espero que o faça, sinceramente", disse Insulza em entrevista à BBC Brasil. "Acho que, quando falamos de algo com a envergadura de Belo Monte, as coisas provavelmente teriam que ser vistas e conversadas com muito mais calma."
Em visita ao Rio para o Fórum Econômico Mundial da América Latina, encerrado na última sexta-feira (29), Insulza ressaltou que a solicitação para interromper as obras de Belo Monte partiu da CIDH, órgão "completamente autônomo" da OEA.
Insulza disse ainda acreditar numa integração econômica plena da América do Sul, mas acredita que o movimento esteja basicamente nas mãos do Brasil, a quem caberia fazer "uma convocação conjunta" aos países da região.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista à BBC Brasil:
BBC Brasil - O governo brasileiro não gostou da solicitação feita pela OEA para que paralisasse o processo de construção da usina de Belo Monte, em defesa dos direitos humanos dos povos do Xingu. O que levou a OEA a adotar essa orientação?
José Miguel Insulza - Em matéria de direitos humanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA é completamente autônoma. As decisões dessa carta que enviou ao governo do Brasil não saíram nem da secretaria-geral, nem do conselho, nem da assembleia da OEA, e sim, somente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É muito importante deixar isso claro. Não que eu esteja fugindo à responsabilidade, mas as coisas são assim. Em matéria de direitos humanos, quem fala é a comissão. Dito isso, tenho a impressão de que o governo brasileiro apresentou alguns antecedentes e que, provavelmente, a comissão revise a sua decisão. Agora, como vai revisar eu não posso dizer, porque não estou autorizado. Espero que o faça, sinceramente. Acho que, quando falamos de algo com a envergadura de Belo Monte, as coisas provavelmente teriam que ser vistas e conversadas com muito mais calma, essa é a minha opinião.
BBC Brasil - O Brasil respondeu ao pedido no dia seguinte, dizendo-se perplexo, e não levou a orientação em consideração. O que o senhor achou dessa reação?
Insulza - Eu creio que era de se esperar, porque a Comissão Interamericana de Direitos Humanos faz recomendações. Nunca são ordens obrigatórias para os países. Ou seja, nenhum país estará rompendo com nenhum tratado se não fizer o que a comissão lhe pede. A comissão como tal não tem força obrigatória. É claro que nós gostaríamos sempre que suas decisões fossem acatáveis, mas é certo que o Brasil não fez nada condenável ao não acatar a decisão. Ninguém poderia acusá-lo disso.
BBC Brasil - Além das discussões sobre Belo Monte, outras grandes obras de infraestrutura brasileiras enfrentaram problemas nos últimos meses, com revoltas dos trabalhadores por causa das más condições de trabalho. O senhor vê um risco de que empreendimentos voltados para o desenvolvimento econômico avancem sobre os direitos humanos?
Insulza - Eu não conheço esses casos específicos. Mas há uma área na qual o terreno é realmente complicado. Quando a comissão de direitos humanos começou a atuar nesses temas, quase como um tribunal, ainda que não tenha força obrigatória, os temas de que falava eram homicídio, tortura, desaparecimento, cárcere etc. O surgimento dos temas ambientais e dos povos nativos abre um espaço que deve ser tratado com muito cuidado. Não creio que nenhum governo democrático tenha a intenção de criar problemas aos seus povos nativos. Acho que o pior que se pode fazer neste caso é exacerbá-lo e tratar o tema como se um fosse a vítima e os outros a ditadura, como ocorreu em princípio. Espero que Belo Monte sirva para calibrar bem a coisa e entender que, quando se trata de projetos dessa envergadura, a comissão pode perfeitamente chegar aos governos para dar assessoria, opiniões, mas não tratar como um tema semijudicial.