Após esclarecimentos, Baby Doc é liberado e indiciado pela Justiça haitiana

19/01/2011 - 6h07

Luciana Lima*
Enviada Especial

Porto Príncipe - O ex-presidente haitiano Jean-Claude Duvalier, também conhecido como Baby Doc, foi indiciado nesta terça-feira (18) pelo Ministério Público do Haiti. Ele foi formalmente acusado de corrupção, roubo e apropriação indébita de fundos, crimes que teriam ocorrido durante os 15 anos em que se manteve no poder.

O indiciamento de Baby Doc ocorreu depois que ele prestou esclarecimentos durante quase todo o dia às autoridades haitianas. O depoimento começou no hotel onde o ex-ditador está hospedado desde que chegou ao país, no último domingo (16). Na parte da tarde, Baby Doc foi levado por dez homens da Polícia Nacional Haitiana para o Palácio da Justiça, no centro de Porto Príncipe, onde ficou cerca de cinco horas prestando esclarecimentos ao promotor-geral da capital, Aristides Auguste, e ao juiz Carves Jean.

De acordo com Aristides Auguste, o rombo deixado aos cofres haitianos pelo governo de Baby Doc e de seu pai, François Duvalier, conhecido como Papa Doc, chega a US$ 100 milhões, desviados de empresas estatais e de obras sociais. Parte do dinheiro desviado, de acordo com a denúncia, teria ido parar em bancos na Suíça.

Enquanto Baby Doc era ouvido pelas autoridades, cerca de mil pessoas se aglomeraram do lado de fora do prédio pedindo a libertação do ex-ditador. “Nem mais um minuto, nem mais um minuto”, gritavam, em coro, os manifestantes pedindo a imediata saída do ex-presidente.

Quando a multidão começou a forçar os portões do Palácio da Justiça, a polícia haitiana reagiu com cassetetes e conseguiu conter o protesto. Os manifestantes também criticaram o governo do presidente René Preval e se disseram apoiadores da volta de Duvalier ao país. Em alguns momentos, a polícia precisou agir.

No fim da tarde, após ser indiciado, Duvalier retornou ao hotel, mas terá que ficar à disposição da Justiça haitiana. Ele saiu sem algemas, acompanhado de sua mulher, Véronique Roy.

O comandante do 1º Batalhão Brasileiro no Haiti, coronel Ronaldo Lundgren, disse que a volta do ex-ditador foi uma “surpresa” para todos e que os efeitos de sua presença no país ainda são imprevisíveis.

“Não sabemos ainda como isso vai impactar, porque não sabemos se ele continua com a mesma influência. Mas que alguma coisa vai mudar, a gente tem certeza”, afirmou Lundgren. “Ele é mais um ator desse contexto político”, acrescentou.

Baby Doc chegou à capital, Porto Príncipe, no último domingo à noite, em um voo da Air France. No aeroporto, foi recebido por centenas de simpatizantes. A única declaração do ex-ditador sobre sua volta foi feita no aeroporto. Ele disse que gostaria de ajudar na reconstrução do país após o terremoto do ano passado, que deixou cerca de 300 mil mortos.

O ex-presidente ficou 25 anos exilado na França. Sua volta ocorre em clima de tensão política, devido à suspeita de fraude no primeiro turno das eleições presidenciais e indefinições em relação à realização do segundo turno.

Há ainda uma perspectiva de vazio político no país, que já não tem a Câmara dos Deputados funcionando e o Senado com apenas um terço dos senadores. O mandato do presidente René Preval acaba no dia 7 de fevereiro. Há um entendimento de que a gestão de Preval seja prorrogada até 14 de maio, como prevê a legislação haitiana, mas nada garante que as eleições sejam concluídas e o resultado das urnas tenha respaldo popular.

Em 1971, Baby Doc herdou o poder de seu pai, o também ditador François Duvalier, conhecido como Papa Doc. Ele enfrentou uma insurreição popular em 1986 e partiu para a França com a família.

Nesta semana, a Anistia Internacional pediu às autoridades do Haiti que processem judicialmente Baby Doc por crimes contra a humanidade. O presidente René Préval tinha dito, anteriormente, que o ex-ditador seria preso caso voltasse ao país.

*A repórter viajou a convite do Ministério da Defesa//Edição: Graça Adjuto//O título foi alterado