País deve expandir crédito sem risco para sistema financeiro, dizem economistas

03/10/2010 - 19h01

Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Nos últimos anos, no segmento do crédito, facilidades como empréstimo consignado, aquele cujo desconto é feito diretamente na folha de pagamento, e carnês em até 72 prestações passaram a fazer cada vez mais parte da vida dos brasileiros. Como resultado, o crédito disparou nos últimos anos. De 25,7% do Produto Interno Bruto (PIB), em janeiro de 2003, o volume de crédito concedido pelas instituições financeiras saltou para 46,2% em agosto deste ano.

Esse crescimento tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento do consumo interno. Se não for controlada, porém, a expansão do crédito pode aumentar a demanda e trazer inflação, além de agravar o endividamento das famílias e até provocar bolhas como a do mercado imobiliário norte-americano, que originou a crise econômica mundial em 2008.

Os perigos da expansão do crédito no Brasil não são consenso entre os economistas. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil divergem sobre as medidas que devem ser adotadas pelo governo, mas afirmam que a expansão sem o risco do crédito é um desafio para o país.

Na avaliação do professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Robson Gonçalves, ainda não há motivos para preocupação. “O crédito no Brasil sempre foi baixo em comparação ao PIB. Nos países desenvolvidos, o crédito representa de 70% a 80% do PIB, às vezes até mais de 100%”, observa.

Gonçalves, no entanto, afirma que o crédito tem de ser mais concentrado no investimento do que no consumo, como ocorre atualmente. “O país ainda tem muito a avançar no crédito para bens de capital, que geram investimentos, aumentam a oferta e não têm impacto sobre a inflação”, diz. Para ele, a injeção de R$ 210 bilhões do Tesouro Nacional no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), feita no ano passado, foi uma iniciativa importante nesse sentido.

Apesar do aumento do crédito habitacional no Brasil nos últimos anos, o professor descarta qualquer risco para o sistema financeiro nacional. “Não temos os instrumentos de especulação financeira que deram origem à crise nos Estados Unidos. No Brasil, o setor imobiliário cresce de maneira saudável e ajuda a cobrir o déficit habitacional que chega a 5 milhões de unidades”, acrescenta.

A economista-sênior do banco RBS, Zaina Latif, também não acredita em perigo iminente para o sistema de crédito no Brasil. Segundo ela, a atuação do Banco Central (BC) ajuda a prevenir possíveis abusos na concessão de empréstimos e financiamentos pelo setor privado. “Esse é um assunto sempre monitorado pelo BC. Se forem detectados exageros, medidas certamente serão tomadas”, afirma.

Para Zaina, porém, o setor público deve contribuir para a contenção do crédito. “Durante a crise, os bancos oficiais aumentaram a concessão de crédito. Agora, é importante que setor público contribua com a retirada dos estímulos e tire o pé do acelerador”, completa.

Um dos principais indicadores de risco para o sistema financeiro, a inadimplência ainda é considerada baixa pelos especialistas e, na verdade, caiu nos últimos anos. De 5,6% em junho de 2003, a taxa atualmente está em 3,5%. Por causa da crise financeira, houve elevação no ano passado. O percentual atingiu 4,5% em outubro de 2009, mas caiu ao longo deste ano.

Mesmo com os números favoráveis, o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Kanczuk afirma que o Brasil não está imune à formação de bolhas de crédito. “Agora não há sinais, mas dá para enxergar o mesmo processo dos Estados Unidos ocorrendo aqui. Talvez daqui a um par de anos, surjam as primeiras evidências”, adverte.

O professor também critica a concessão de crédito a juros baixos pelo BNDES, o que, de acordo com ele, pode ter impacto sobre a produtividade da economia. “Na prática, o BNDES escolhe quem são os vencedores e dá dinheiro subsidiado, em vez de deixar o mercado alocar os recursos da melhor forma. A produtividade cai quando tem muita política industrial”, critica.


Edição: Lana Cristina