Embaixador diz que relação entre Brasil e Argentina é patrimônio que independe de eleições

03/10/2010 - 11h41

Luiz Antônio Alves
Correspondente da Agência Brasil na Argentina

Buenos Aires - A dinâmica do processo de integração entre o Brasil e a Argentina já se tornou quase independente dos processos eleitorais, uma vez que a qualidade política da relação entre os dois países é percebida como algo que deve ser preservado e ter continuidade.

De acordo com o embaixador brasileiro na Argentina, Enio Cordeiro, que falou com exclusividade à Agência Brasil, o que se pode construir em termos de aproximação política e econômica entre os dois países é um patrimônio que nenhum governante poderia desconsiderar. Esta é a plataforma sobre a qual se construiria qualquer linha de ação de um novo governo no Brasil ou na Argentina.

O embaixador acredita que os laços entre os dois países tendem a se fortalecer, seja qual for o resultado das eleições no Brasil hoje (3), ou na Argentina, no ano que vem. "Acho que muito mais do que um patrimônio de governo", disse, "a integração é um patrimônio das duas cidadanias e assim ela é vista por todo o espectro político brasileiro e argentino. O fundamental é que se tenha processos eleitorais que reforcem a democracia. Quanto mais democracia no continente, mais integração será possível. A própria integração entre o Brasil e a Argentina só foi possível a partir do momento em que os dois países reconquistaram a plena convivência democrática".

Enio Cordeiro disse que os processos eleitorais sempre têm impacto na manutenção da estabilidade institucional, mas isso não significa que seja necessária a existência de uniformidade ideológica ou de pensamento. "Estamos construindo na América do Sul e nas relações bilaterais com todos os países uma relação de confiança e de diálogo político que não supõe todos pensarem igual. Esta é uma associação que pode ser definida como unidade na diversidade. Estamos fazendo a integração a partir de diferentes pontos de vista e de um exercício de convergência a partir de singularidades que são respeitadas".

A consolidada integração entre o Brasil e a Argentina nos setores econômico, comercial, produtivo, financeiro e turístico, entre outros, é caminho sem retorno, segundo o embaixador Enio Cordeiro, e tende a se fortalcer no futuro. "No caso das eleições no Brasil", disse, "há suficientes demonstrações de apreço pela relação bilateral e pela compreensão sobre a importância estratégica que ela significa. Nunca encontrei sinal divergente ou diferente disso no ambiente argentino".

O embaixador ressaltou que o Brasil e a Argentina somente começaram a construir o processo de confiança mútua a partir do momento em que se instaurou nos dois países ambiente de democracia e de estabilidade constitucional, condição indispensável em todo o continente. "Quando existe qualquer ameaça ou qualquer possibilidade de ruptura institucional em qualquer país da região, isso afeta a todos", disse.

"A última vez que ocorreu situação parecida com essa foi na Bolívia. Em dois dias, todos os presidentes da América do Sul estavam reunidos em Santiago, no Chile, para tratar do fortalecimento e do apoio à democracia na Bolívia diante de uma situação que, felizmente, não derivou para uma instabilidade, que poderia ter ocorrido se houvesse indiferença dos países da região. Essa indiferença já não existe. A democracia no país vizinho é tão importante quanto a democracia na nossa casa".

Dois dias depois de o embaixador Enio Cordeiro conceder entrevista à Agência Brasil, policiais e militares do Equador iniciaram protesto em Quito, a capital do país, contra lei aprovada no Congresso que reduziu salários e benefícios de servidores públicos. O protesto transformou-se em violento confronto quando o presidente Rafael Correa dirigiu-se até o local onde os rebeldes se encontravam para conversar com eles e foi atingido por gás lacrimogênio. Levado ao Hospital da Polícia de Quito, o presidente foi mantido sob vigilância dos policiais durante 11 horas, até ser resgatado pelo Exército em meio a tiroteio.

Poucas horas após a detenção de Correa, presidentes, chanceleres e embaixadores dos países que integram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) estavam reunidos em Buenos Aires, convocados por Néstor Kirchner, secretário-geral do bloco regional, e por Cristina Kirchner, que ocupa sua presidência rotativa. Em reunião que somente terminou na madrugada de sexta-feira (1º), a Unasul expressou repúdio à tentativa de desestabilização no Equador. A instituição divulgou documento afirmando que não vai tolerar, sob nenhuma circunstância, "qualquer novo desafio à autoridade constitucional ou tentativas de golpe de Estado contra poder civil legitimamente eleito"

A Unasul advertiu que em caso de novas quebras da ordem constitucional, serão adotadas medidas concretas e imediatas, como o fechamento de fronteiras, a suspensão do comércio, do tráfego aéreo e do fornecimento de energia elétrica, entre outros serviços, contra o país que violar a ordem democrática do continente.

Ontem (2), chanceleres da Unasul viajaram a Quito para manifestar pessoalmente o apoio do bloco ao retorno da ordem democrática no Equador. A Unasul é formada pela Argentina, pelo Brasil, Uruguai, Paraguai, pela Bolívia, Colômbia, pelo Equador, Peru, Chile, pela Guiana, pelo Suriname e pela Venezuela.

Edição: Graça Adjuto