TV Pinel serve de terapia para pessoas com transtornos mentais

29/06/2010 - 10h29

Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - Contar na telinha da televisão os conflitos do personagem Homem Robô, retirado de uma canção de mesmo nome do grupo Harmonia Enlouquece, foi uma tarefa que consumiu algumas canetinhas coloridas e três meses do desenhista da TV Pinel, Henrique Monteiro, 47 anos.

Aluno de uma oficina de comunicação comunitária do Instituto Philippe Pinel, que trata pessoas com transtornos mentais, Henrique Monteiro, usuário da rede de saúde, produz um clipe da música em formato de história em quadrinhos. A canção tem cerca de três minutos e a obra está quase pronta.

”Eu queria mesmo era ter uma [filmadora] Super 8. Estou me realizando aqui, aprendendo a usar uma câmera, a fazer o clipe. Acho que estão gostando, me chamaram até para pintar as portas das salas da TV”, conta o artista plástico, que recebe uma bolsa de R$ 140 para frequentar o projeto. O Instituto Philippe Pinel é ligado à prefeitura do Rio.

A TV Pinel reúne pacientes com transtornos mentais vindos de várias unidades do município, parentes e interessados em fazer comunicação comunitária. No local, há sala para locução, estúdio e central de edição, sem muitos requintes. Lá, técnicos ensinam a gravar, a sonorizar e a editar. O resto fica por conta da criatividade dos alunos, que, ao final, apresentam publicamente os trabalhos. A última exibição foi em 18 de maio, Dia da Luta Antimanicomial, na Cinelândia, centro.

Neste ano, as oficinas com cerca de dez pessoas começaram em março. Durante o curso serão feitos programas de televisão em formato de revista, sobre assuntos variados, com a inserção de clipes, paródias de comerciais e novelas, esquetes e até entrevistas.

Os professores contam que não têm problemas com os alunos. Segundo o editor Alexandre de Jesus, conhecido por Xanduca, as aulas seguem o mesmo formato de cursos para pessoas “que ainda não tiveram nenhum transtorno”.

Ele conta que, às vezes, a produção “sai do script para dar tempo a um paciente que precisou se afastar por motivos médicos”. Mas rapidamente a TV se organiza para não perder o que já foi feito.

“Substituímos a pessoa, aguardamos ela voltar. A gente aprende a lidar com a diferença, todo mundo tem algum tipo de problema. Até as pessoas ditas normais, que ainda não apresentaram alguma doença, têm problemas pessoais”, lembra Xanduca.

Desenvolvida para ser um dos espaços terapêuticos do instituto em 1996, em meio às discussões sobre a reforma psiquiátrica, a TV Pinel nasceu da participação da comunidade hospitalar que desde então participa da idealização e produção de programas.

No início, a ideia era defender o tratamento humanizado, aproximar os pacientes do hospital, assim como usuários de outras unidades, funcionários e médicos com a criação de um espaço de convivência. Nos últimos anos, tornou-se um instrumento capaz de dar visibilidade criativa aos pacientes e “mudar o imaginário que se faz da loucura”, destaca a coordenadora da TV Pinel, Vera Roçado.

O trabalho já rendeu muitos prêmios, matérias nos principais jornais do país e recursos para a manutenção do projeto, de R$ 200 mil por mês, pagos pela prefeitura. Psicóloga, Vera Roçado diz que a iniciativa traz avanços surpreendentes para os pacientes, que deixam de se sentir incapazes ou estigmatizados. Mas, segundo ela, quem ganha mesmo com a TV, é a comunidade.

”O importante é a criação de novas possibilidades de vida. Isso muda a sociedade, que vê como [os pacientes] podem ser diferentes daquele estereótipo da loucura”, afirma Vera. “Na sociedade há um preconceito, medo, e, quando mostramos a parte artística, sensibilizamos.”

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo