Ex-pacientes relembram sofrimentos vividos em antigo hospício

29/06/2010 - 9h57

Vitor Abdala
Enviado Especial

Barbacena (MG) - Elza Campos e Marlene de Almeida, 63 anos, se conheceram ainda crianças, mas não é possível dizer que tiveram uma infância comum. As duas cresceram no Hospício de Barbacena, internadas como loucas, com centenas de outros pacientes. João Gonçalves, 49 anos, também cresceu no hospital.

Hoje, mesmo com problemas mentais, eles não estão mais internados no hospício. Há alguns anos, os três vivem em residências terapêuticas na cidade mineira, com outros ex-pacientes do hospital psiquiátrico. Apesar disso, não conseguem se esquecer das décadas de abandono e dos maus-tratos sofridos dentro da instituição.

“A gente sofria muito. Os pacientes ficavam nas celas, que tinham até rato. Tinha aquelas injeções grossas e a gente ficava impregnado [sob efeito de drogas]. A gente não saía, ficava só lá no pátio. Tinha também os choques”, conta Elza Campos.

Hoje, Elza pode se deslocar sozinha pela cidade. Ela relembra o sofrimento com um olhar distante, sentada num banco em frente ao hospital onde antigamente era mantida presa e isolada. Em meio à entrevista, puxa orgulhosa, de dentro da bolsa, duas toalhas de mesa com a imagem de frutas que ela mesma pintou.

Sentados ao lado de Elza no banco em frente ao antigo hospício, estão João e Marlene. Ex-pacientes da instituição, os dois partilham as mesmas memórias que sua colega. Corpulento, João conta que chegou a ficar preso, atrás das grades, dentro do hospício.

Já Marlene se lembra de uma interna que mordia os outros pacientes e mostra uma cicatriz no braço direito.

A conversa sobre o passado no hospício é rapidamente substituída pelas lembranças mais recentes, que também são as mais felizes. Na década de 90, o hospício de Barbacena começou a se adequar às novas regras propostas pela reforma psiquiátrica brasileira.

Tratamentos antigos como o eletrochoque e o isolamento de pacientes deram lugar a técnicas mais modernas e humanizadas. Aos poucos, as enfermarias foram transformadas em casas no terreno do hospital. Os portões da instituição foram abertos. Os internos ganharam o direito de circular pela cidade.

Em 1994, havia 600 pacientes internados no hospital. Hoje são apenas 215. Muitos foram transferidos para as residências terapêuticas, casas comuns no meio da cidade, em que ex-pacientes vivem sob os cuidados do Estado. Ex-internos como João, Marlene e Elza começaram a fazer viagens e a conhecer cidades como Porto Alegre, São João Del Rei (MG) e Brasília.

João e Marlene, que são namorados, planejam se casar. Por enquanto, Marlene ainda precisa visitar a casa de João nos finais de semana, mas, em breve, os dois poderão morar em uma casa terapêutica só deles.

“A gente trabalha numa perspectiva de reinserção social. A gente dá a liberdade para a pessoa criar sua própria autonomia”, conta a assistente social Adriane Oliveira, que supervisiona algumas residências terapêuticas.

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo