Os bastidores da Comissão da Verdade

22/01/2010 - 10h44

Paulo Machado
Ouvidor da Agência Brasil
Brasília - No ultimo dia 30 aAgência Brasil publicou a matéria Governodeve alterar proposta de Comissão da Verdade sobre episódiosda ditadura militar, informando, com base em fontes nãoidentificadas, que o governo iria rever a proposta de criaçãoda comissão encarregada de apurar os fatos históricossobre a repressão durante o regime militar.A esse respeito,escreveu a leitora Suzana Lisboa: “A matéria foibaseada em declarações ou determinaçõesdo Presidente Lula? Se não foi, como acredito, serviu praincendiar a direita criminosa e desinformar completamente a mídia.Quem escreveu não conhece o assunto e muito menos leu aproposta. Um assunto tão delicado ao governo merecia, nomínimo, reparo e cuidado por parte dessa agência. Emespecial por ter sido protelado pelo Presidente em seus 7 anos degoverno. Esta agência não pode ter posiçãoou lado - tem que informar!”. A AgênciaBrasil respondeu à leitora: “Agradecemos o comentárioda leitora. A Agência Brasil vem cobrindo ostensivamentea discussão em torno de Lei de Anistia nos últimos anose não toma partido a priori nessa ou em outras questões. A notícia em questão relata as reações eos mal entendidos que surgiram dentro do governo com o decreto donovo Programa Nacional de Direitos Humanos.No dia 1º,a Agência Brasil foi o único veículo que faloucom o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria de Direitos Humanos, arespeito das reações dos militares e esclarecendopontos sobre a proposta da Comissão da Verdade.Note-se que em suaresposta a ABr não disse qual era a origem dainformação polêmica, publicada na matériaem questão, que motivou a demanda de Suzana a esta Ouvidoria.A noticia referida pela Agência em sua respostaesclarece a posição da Secretaria Especial de DireitosHumanos mas não esclarece “os mal entendidos que surgiramdentro do governo”. “Os militaresquerem incluir todos os envolvidos nos 'conflitos políticos'daquela época. Na área militar, teme-se que o trabalhoda comissão e o próprio projeto a ser mandado aoCongresso alterem a Lei de Anistia, de forma a punir ex-integrantesdo regime acusados de tortura. Eles querem que essa atuaçãofique restrita à 'recurepação [sic] histórica',e não a reparações”, disse a AgênciaBrasil, sem citar a fonte. Todavia, no final da matéria,informações como essa são atribuídas aoMinistro da Defesa, Nelson Jobim, que eventualmente teria levado aposição dos militares ao presidente Lula. Todavia nãohá nenhuma fala do ministro entre aspas, nem de nenhumporta-voz oficial, relatando a possível conversa entre ambos.Além do mais,dificilmente o ministro seria portador de uma posiçãoque ele próprio sabia equivocada, pois na matériapublicada dia 7 de novembro de 2008, Jobim lembra que, segundoa Constituição, tortura não é passívelde anistia, o próprio ministro havia declarado nãoser necessário alterar a Lei da Anistia para se levar ajulgamento, e eventualmente punir, torturadores, conforme reza naConstituição, citada textualmente.Crises entre setores dogoverno são comuns ao longo da história. Por vezesministros e outras autoridades divergem entre si na formulaçãoou condução das ações, principalmentequando são tratados assuntos polêmicos que refletemantagonismos existentes na sociedade. A questão que se colocaé como que a imprensa cobre esses conflitos, poisfrequentemente toma partido ou procura influenciar essas disputas demaneira inexplícita. É aí que mora o perigo dedesinformar o cidadão, apresentando especulaçõessobre a realidade como se a realidade fosse - por trás deversões sempre residem interesses dos grupos que se defrontam.Para não servir de instrumento de manobra ou mesmo de palanquepara esses grupos, a imprensa precisa saber separar o que sãoposições oficiais, publicamente assumidas, e o que sãoapenas versões, ilações ou fofocas debastidores, deixando isso claro para os leitores.Se a origem de umainformação polêmica é mantida noanonimato, os leitores têm todo o direito de duvidar. Foiexatamente isso o que a leitora fez: “A matéria foibaseada em declarações ou determinaçõesdo Presidente Lula?”. E mais, nesses casos os leitores têmo direito de duvidar não só da informaçãomas também das intenções do veículo queas publicou; “Um assunto tão delicado ao governo merecia,no mínimo, reparo e cuidado por parte dessa agência... Esta agência não pode ter posição ou lado- tem que informar!”. Ou seja, a própria credibilidadedo veículo pode ser questionada.Esse portanto éum preço muito alto para uma agência pública denotícias pagar por uma informação que nãocontribuiu para esclarecer o cidadão sobre as causas doepisódio. Por outro lado, ao repercutir os fatos com pessoasque viveram historicamente a luta contra as violaçõesdos direitos humanos em nosso país, a Agênciaconseguiu contextualizar o processo e dar sentido aosacontecimentos. Um desses momentos é a entrevista com ojurista e militante dos direitos humanos, Fábio KonderComparato, publicada dia 15 de janeiro: Jurista critica"consciência conservadora" que coloca propriedadeacima da dignidade. Fábio, nem sob a mais ferozrepressão política, nunca escondeu suas convicções.Bastidores sãobastidores e as conversas ali travadas devem ali permanecer a menosque seus protagonistas concordem em ser identificados – ademocracia, com certeza, agradecerá. Os obscurantismos(*)servem às ditaduras.Até a próximasemana.(*)obscurantismo - segundo o Novo Dicionário Aurélioda Língua Portuguesa: “Política de fazer alguma coisacom o objetivo de impedir o esclarecimento da massa por considerá-loum perigo para a sociedade”.