Sete dias de violência provocam reflexões entre conhecedores e estudiosos das favelas cariocas

22/10/2009 - 7h36

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Navéspera de completar uma semana sem trégua, a violência nas favelascariocas, sobretudo na zona norte da cidade, provoca reflexões variadasentre acadêmicos dedicados ao tema e pessoas diretamente ligadas àparcela mais pobre da sociedade local, espremida entre traficantes dedrogas em guerra e a ação policial nos morros e no asfalto.“Há uma grande bomba atômica no Rio de Janeiro quetentam esconder, mas que dá sinais de que está pronta para explodir,como agora”, garante sem meias palavras a radialista Verônica Costa,três vezes vereadora eleita por jovens da periferia. “Você vêmeninas de 13 anos – uns bebês – grávidas, com outros bebês na barriga,vê garotos de 15 anos que dizem abertamente ‘morrer, para mim, élucro’. Não têm autoestima, nenhuma perspectiva de futuro, e ninguémfaz nada, nem escola, nem governo, ninguém está preocupado com eles”,queixa-se.Baseado no mesmo estrato social que a ex-vereadora,mas com objetivos diferentes, MC Leonardo, presidente da Associação dosProfissionais e Amigos do Funk, aponta uma solução tão simples quantopolêmica:“Tem que legalizar as drogas. O que você não consegueconter tem que regulamentar. É como o aborto, não adianta proibir. Seliberar as drogas, daqui a 50 anos meus netos vão dizer ‘cara, naqueletempo tinha fuzil na favela, tinha criança armada’. O problema é que alegalização vai contra interesses mais fortes, o comércio de armas”,analisa.Ao mesmo tempo em que se confessa abismado, MC Leonardoatribui o cenário dos últimos dias ao que considera erro estratégico“de tanta política de ‘caveirão’ e de blindado subindo as favelas”.“Apolícia deixa um rastro de insegurança e de prejuízo na comunidade,comércio fechado, escolas sem aulas, população com medo”, resume. “Epior é que esta não é uma situação do Rio de Janeiro,é nacional, é internacional. Os maiores consumidores de drogas são osEstados Unidos, que são contra a legalização porque interessa alimentara guerra do tráfico, as armas de um lado e de outro”.VerônicaCosta concorda e joga mais lenha na fogueira da discussão: “Eu achoisso tudo um escândalo internacional. Há pouco tempo um atirador deelite da polícia acertou a cabeça de um sequestrador ali mesmo em VilaIsabel e a população aplaudiu. Agora derrubaram um helicóptero e apolícia promete vingança. E no meio dessa escalada, as pessoas estãopreocupadas com Copa do Mundo e Olimpíadas no Rio”.Coordenadordo Programa de Controle de Armas da organização não governamental Viva Rio, o sociólogo RangelBandeira, considera imprescindível rever o modelo do combate àviolência, a partir das Forças Armadas e das polícias, “dois setores dasociedade que não foram democratizados depois da ditadura”. “Oque está por trás desta crise que já dura 25 anos é a escaladaarmamentista, resultado da facilidade com que as armas pesadas chegamao narcotráfico. A Baía de Guanabara é um shopping noturno, lanchaslevam todo tipo de contrabando para as favelas. Onde está a PolíciaFederal? Não trabalha à noite. E a Capitania dos Portos da Marinha?Jogando vôlei”.Rangel lembra que em 2005 a CPI das Armas daCâmara dos Deputados apurou que 68% das armas pesadas apreendidas combandidos tinham origem em oito lojas, mas nada foi feito. “Oresponsável pelo comércio de armas no país é o Departamento deFiscalização de Produtos Controlados, do Exército, que não fiscalizanada porque não tem condições, mas não deixa ninguém fiscalizar. Porque?”.Em depoimento à CPI, em 2005, um traficante de drogaspreso admitiu que as armas estrangeiras “passeiam tranquilamente pelasestradas”, segundo o sociólogo. “Não tem polícia nem federal, nemrodoviária, nem Forças Armadas, nada. O que vemos é a compra de maisarmamento e munição pelas polícias, mais desvio para os bandidos, maiscorrupção. Enfim, mais do mesmo. E assim não se chegará a nenhumasolução”.