Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - Parte dos 300 guarani mbyá residentes na comunidade indígena do Jaraguá, na zona norte da capital paulista, deverá semudar para o município de Mairiporã (SP), a 37quilômetros de São Paulo.
Eles passarão a ocupar cerca de 160 hectares concedidos pelaDesenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa responsávelpela construção do Rodoanel Mário Covas eda Rodovia dos Bandeirantes. O anel viário vai circundar São Paulo com o objetivo de fazer com que o trânsitode mercadorias e passageiros não passe dentro da capital.
Processosemelhante deverá ocorrer com os 300 guarani mbyáresidentes em Krukutu e os 900 moradores da Aldeia da Barragem,as duas situadas em Parelheiros, ao sul do municípiode São Paulo. Para as duas aldeias deverão serconcedidos cerca de 150 hectares em um lugar que ainda estásendo escolhido. Juntas, elas têm atualmente 52 hectares.
Segundoo administrador regional da Fundação Nacional do Índio(Funai) em Bauru, Amaury Vieira, as terras compensam “impactosindiretos” nas comunidades da construção do empreendimento. “Minimamente, você tem que tentar garantir queas comunidades indígenas não sofram impacto dessa obraque é importante, mas que não pode passar por cima detodo mundo e ficar por isso mesmo”.
A Dersa nega, no entanto, que o Rodoanel seja responsável porimpactos prejudiciais nas aldeias. “Todos osestudos mostraram um impacto da metrópole sobre ascomunidades, não que pudesse ser atribuído aoRodoanel”, ressaltou o gerente de Gestão Ambiental da Dersa,Marcelo Barbosa.
Barbosaafirma que os cerca de 300 hectares serão doados para amenizaro problema da falta de espaço que as aldeias indígenasda capital sofrem. “Por um acordo com o Ministério Público,entendemos que poderíamos colaborar para melhorar a situaçãodas aldeias”, disse.
Oantropólogo Daniel Pierri discorda que o Rodoanel nãotraga problemas aos guarani. “Acho que os impactos sãoenormes”, avaliou. Ele afirma , entretanto, que parte dos recursosnaturais da região do Jaraguá havia sido comprometidaantes da obra. “A nascente que passa dentro da comunidade eralimpa, hoje é totalmente poluída pelo esgoto da região,antes mesmo do Rodoanel”.
Nasaldeias da zona sul há, segundo o antropólogo, umaocupação crescente das terras utilizadastradicionalmente pelos índios. “Cada ano que passa, a cidadevai chegando mais perto. Toda a área de uso deles [os guarani],antiga e documentada, vai se restringindo cada vez mais”.
Uma daslideranças do Jaraguá, Pedro Luís Mecena,acredita que construção do trecho oeste do Rodoanelaumentou as pressões sobre a terra indígena, a menor dopaís. Ele atribui a construção da via, a 4 quilômetros dosindígenas, ao aumento do número de empresas eresidências nos bairros próximos à aldeia. Para Mecena, aaldeia de 1,7 hectare está sendo espremida pela metrópolede São Paulo.
“Agente se sente muito preso dentro da comunidade. Ela épequena, o Rodoanel está trazendo moradores ao redor eisso acaba espremendo a aldeia”, reclamou o índio, que évice-presidente da Associação República GuaraniAmba Vera.
Essaproximidade com a cidade é um dos motivos que impedem que asaldeias sejam expandidas de maneira contínua. “Evidente queo ideal seria que essas terra fossem aumentadas na mesma região,mas essa é uma dificuldade que se tem na Grande São Paulo”, ressaltou o administrador da Funai..
SegundoPedro Luís Mecena, o processo de ocupação emtorno da aldeia teria começado com a construção daRodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978, cinco anos antes daidentificação da terra indígena. A estrada, queliga a capital ao interior, passa ao lado da comunidade. Em meio àscasas feitas com retalhos de madeirite e compensado, pode-se ouvirnitidamente o som do tráfego intenso da rodovia.
Apesarde as moradias da comunidade do Jaraguá serem semelhantes àsencontradas em favelas urbanas, o guarani falado pelascrianças e adultos da aldeia demonstra o caráterdiferenciado da comunidade. Ali existe também um Centro deEducação e Cultura Indígena (CECI), onde sãoministradas atividades escolares na língua indígena eem português.
Areligião e o convívio em língua indígenaseriam as práticas que estariam ameaçadas pela ocupaçãoao redor da aldeia. Segundo Mecena, o contatodireto com os não indígenas atrapalha o dia a dia dacomunidade e inibe os índios de ficarem “à vontade”.
Osíndios também se “ressentem” da dificuldade paratransmitir conhecimentos tradicionais relativos à agricultura eàs plantas medicinais, relatou o antropólogo Daniel Peirri. “Elestêm dificuldade de transmitir boa parte dos conhecimentos que estãoligados com a mata e com o plantio por conta desse adensamentodemográfico grande e a falta de espaço”, contou.
Aquantidade reduzida de terras da aldeia consegue apenas abrigar ascasas dos índios. Não é possível plantare produzir, atividades que fazem falta aos mais velhos, de acordo comMecena. Ele afirma que são os membros mais idosos que maissentem necessidade do modo de vida “mais tradicional”.Atualmente, a comunidade se sustenta basicamente pela venda deartesanato em diversos pontos da cidade e com os salários dealguns índios que têm trabalho fixo.
Assimque houver o mínimo de infraestrutura na nova área, osmembros mais idosos da aldeia Jaraguá deverão começara se mudar para o novo local. Para Mecena, a migraçãode parte dos índios deixará a comunidade maisconfortável.
O líder se queixa de não ter havido estudos para avaliar os impactosdo Rodoanel no Jaraguá. “Quando a Dersa fez o Rodoanel Mário Covas nãoconsultou a comunidade indígena do Jaraguá. Nãofez um levantamento ambiental, não fez um levantamentoantropológico para dizer se a gente ia sofrer com esseimpacto”, ressaltou.
Ogerente de Gestão Ambiental da empresa afirmou que como a comunidade do Jaraguá “já estáintegrada no tecido urbano”, fica difícil fazer uma avaliação de quais seriam os impactos dotrecho oeste do Rodoanel. Ele destacou o fato de nenhum órgãoter se manifestado sobre a existência dos índios naépoca da construção dessa parte da via.