Usuários de crack criam estratégias para evitar exclusão social, constata pesquisadora

22/07/2009 - 15h48

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - Algunsusuários de crack desenvolveram estratégias para lidarcom o vício e, ao mesmo tempo, não ficar excluídos em guetoscomo a Cracolândia, em São Paulo, apontam as pesquisas da psicofarmacólogada Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Solange Nappo,que estuda a droga desde 1992.

Apesquisadora acredita que as associações do crack comoutras drogas lícitas e ilícitas feitas por essaspessoas amenizam os principais efeitos colaterais: a psicose e afissura ( desejo compulsivo de consumir a substância).

“Quandoo crack surgiu, eles não misturavam com nada para nãoperder o efeito. Hoje em dia, eles abrem mão de parte desseefeito prazeroso para não sentir o outro efeito que étão lastimável”, disse Solange.

Apesardos efeitos ainda incertos sobre a saúde com a mistura deoutros elementos ao crack, essas pessoas conseguemtrabalhar e conviver com a família, afirma a pesquisadora. “Alguns têmobtido sucesso, não se sabe a que preço. Mas têm obtidosucesso porque estão vivos e inseridos nasociedade.”

De acordo com a pesquisadora, essas estratégias podem ser estudadas para que seja desenvolvido um modelo de redução de danos. Elaexplicou que o combate as drogas ocorre em três etapas:prevenção, o tratamento e redução de danos para osdependentes em estágio avançado.

“Ele[o viciado em estágio avançado] vai usar [a droga] de qualquerforma. Então, vamos tentar reduzir os danos desse uso para queele não seja banido da sociedade, para que não seexponha a riscos e não morra”, assinalou Solange.

Aabordagem da redução de danos pode, segundo apesquisadora, incentivar o usuário a abandonar a droga aospoucos. NaCracolândia, a organização não governamental(ONG) É de Lei realiza um trabalho para evitar a transmissãode doenças como HIV e hepatite por meio do uso de crack.

Ocachimbo de madeira foi o primeiro insumo distribuído parausuários de crack com o objetivo de incentivar onão compartilhamento do instrumento. Normalmente, os viciadosconstroem modelos artesanais de metal, que queimam a boca, causandoferidas, e podem transmitir doenças quando compartilhado comoutras pessoas.

“Ocachimbo serviu como um cartão de visitas”, disse ocoordenador do projeto de redução da ONG É de Lei,Thiago Calil, sobre o início da sua atuação naCracolândia.

SegundoCalil, a redução de danos é uma proposta de“fomentar o autocuidado” entre os usuários de droga, semtentar necessariamente impedir o uso da substância.

“Sevocê usa crack, é bom saber que é uma práticaque pode deixá-lo vulnerável e que é importantevocê aprender a se cuidar”, diz o panfleto distribuídonas ruas do centro de São Paulo pela ONG.

Calil destacou que essa linha de atuação éreconhecida internacionalmente e também pelo Ministério da Saúde. A redução de danos, enfatizou, é umaestratégia mal compreendida e pouco aceita por muitos setoresda sociedade. Ele lembrou que foi diversas vezes abordado e atérevistado por policiais enquanto realizava o trabalho nas ruas docentro.

Por causa das reclamações dos próprios usuários, ONG parou de distribuir os cachimbos de madeira.Eles se queixavam que a madeira dificultava a rapagem da “borra”,resíduo da droga que fica nas paredes do cachimbo. Atualmentesão fornecidas piteiras de silicone, panfletos e protetorlabial a base de manteiga de cacau.

A ONG É de Lei também costuma ouvir os usuários para definir a sua atução.Os panfletos e o restante do material distribuído pelo ONG, por exemplo, foramelaborados com base em sugestões dos dependentes de crack.