Ivy Farias
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - "Ele adorava um bolo de café com cobertura de chocolate que vendia na lanchonete, o balconista sempre ligava avisando que o bolo estava pronto. Mas ele gostava de tomar café ao entardecer, se preocupava em comer com a luz bonita. Acho que nunca teve a consciência de que era um poeta da imagem com uma base de repórter“. Estas são algumas das lembranças que a jornalista Rose Nogueira guarda de Vladimir Herzog. Os dois trabalhavam juntos na TV Cultura, em São Paulo, quando Vlado, como era chamado pelos amigos, compareceu ao prédio do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) para prestar depoimento no dia 25 de outubro de 1975 e foi assassinado depois de ser torturado. Porém, a causa mortis alegada pelo DOI-Codi foi suicídio e, a partir dali, sua morte passou a ser mais conhecida que sua vida: o episódio marcou a ditadura militar e foi seguido de uma série de protestos. Três anos depois, o caso foi o primeiro em que a Justiça condenou a União pela morte e determinou a indenização da família.“Para Vlado, as coisas não eram um evento, eram parte de um processo e engraçado como ele foi o maior evento daqueles tempos e como se tornou parte de um processo", lembra Rose, que se considera uma privilegiada por ter convivido com o jornalista e com ele ter aprendido. “Considero Vlado meu amigo e professor, ia trabalhar com muita alegria, porque ele nos incentivava a fazer o melhor. Ele me ensinou muito sobre jornalismo: até hoje não uso a palavra auge porque ele falava que auge era orgasmo. Me ensinou muito sobre TV pública, coisas que até hoje uso. Vlado costumava dizer que a ditadura um dia acabaria, o povo não e por isso deveríamos fazer uma TV de qualidade. Ele apostava na gente, com doçura e paciência muito grande e também com muita firmeza“, acrescenta.A família e os amigos do jornalista criaram o Instituto Vladimir Herzog, que será lançado hoje (25) em São Paulo. O cineasta e amigo João Batista de Andrade, diretor do documentário Vlado - 30 anos depois, contou à Agência Brasil que a iniciativa é uma forma de atender a uma demanda que nunca acaba: “O povo me assediava demais e nem sempre podia atender a todos os pedidos de fotos, imagens, depoimentos“. O instituto nasce com a missão de organizar todo o material sobre o jornalista, como textos, fotos, documentos, e de dar continidade aos seus ideais, como afirma o filho Ivo Herzog. “Queremos colaborar com a reflexão e a produção de informação voltada ao direito à Justiça e ao direito à vida“, explicou. A ideia de preservar a memória de Vlado surgiu há mais de um ano e levou cerca de seis meses para ser concretizada. Localizado inicialmente na rua Bela Cintra, o instituto busca apoio institucional, “empresas que possam colaborar com sua manutenção”, disse Ivo.