Estudo mostra que educação nos sistemas prisionais ainda é vista como privilégio

24/03/2009 - 6h04

Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Um levantamento daRelatoria Brasileira pelo Direito Humano à Educação mostra que a oferta de educação no sistemaprisional brasileiro ainda é encarada como privilégio,apesar de ser garantida em lei. O pensamento é compartilhado por diretores de unidades, agentes prisionais e pela própria sociedade. Durante seis meses, uma equipevisitou dez unidades prisionais em Pernambuco, no Pará, em SãoPaulo e no Rio Grande do Sul, entrevistando mais de 200 pessoas entrepresos, educadores, juízes, promotores e agentespenitenciários. Um relatório preliminar seráapresentado amanhã (25), em audiência públicana Câmara dos Deputados.A relatora DeniseCarreira, responsável pelo estudo, aponta que a educaçãoformal nas prisões, quando ofertada, ocorre de formaprecária. Segundo ela, só 18% dos presos têm acessoa algum tipo de atendimento educacional, o que inclui outros cursos,como aulas de violão. As dez unidades visitadaspela comissão ofereciam educação aos presos, massempre em condições inadequadas. Um dos fatores quedificultam a oferta é a superlotaçãodas unidades. “Nós encontramos um quadro marcado pelaprecarização e por um conflito estrutural do sistema,que é a superlotação. Nas prisões, hoje,você vive uma realidade em que qualquer espaço éadaptado para ser transformado em cela e receber mais gente. Nessaluta, os espaços que poderiam ser utilizados como sala de aulase perdem. Nós encontramos unidades em que as aulas sãono corredor”, diz. Além decondições físicas precárias, o relatório mostra como outra principal deficiência a falta de professorescapacitados. Na maioria dos estados, a educação nosistema prisional não é responsabilidade da Secretariade Educação, mas da administraçãopenitenciária. Em alguns estados, como São Paulo, sãoos próprios presos com maior nível de escolaridade quedão aulas aos outros encarcerados. “Nenhuma unidade da Federação tem uma política de educaçãonas prisões, um documento norteador com metas de acesso,qualidade, um projeto pedagógico. O que predomina é aimprovisação. A educação nas prisõesfica em um limbo entre a segurança pública, aadministração penitenciária e a educação”,alerta. Segundo Denise, a maior parte da populaçãocarcerária do país não concluiu o ensinofundamental.Outro grande problemaverificado pela comissão é a falta de creches eberçários nas unidades femininas. Em alguns estados, osfilhos das presas podem permanecer com a mãe atécompletar 3 anos de idade. Mas não há estrutura parareceber essas crianças.“Muitas criançasde 0 a 3 anos nas unidades femininas não têm nenhumatendimento educacional. Você tem hoje, em todo o Brasil, apenas 134vagas de creche e 75 para berçário. Elasprecisam receber um atendimento, seja em creches dentro da unidade ouna vizinhança. Elas já são crianças emsituação de vulnerabilidade e ficam ali naqueleambiente sem nenhum tipo de estímulo”, explica. Para resolver aprecariedade do ensino, a relatora defende que o Brasil precisa, emprimeiro lugar, repensar o seu modelo prisional. “Precisamosdiscutir se o modelo de prisão que a sociedade brasileiranecessita é esse, o de confinamento dos seres humanos comoprincipal forma de punição. O primeiro obstáculo é aeducação ser considerada um privilégio, ela éum direito fundamental dessas pessoas e também da sociedade,que está investindo nas unidades prisionais na perspectiva deque essas pessoas possam se reintegrar e contribuir para odesenvolvimento do país”, afirma.Entre as recomendaçõesdo relatório que será entregue aos parlamentares estáa aprovação com urgência de um projeto de lei quepermite a remissão da pena pelo estudo. “Nós temossete projetos de lei tramitando que abordam a matéria. Hoje, a lei de execução penal garante a remissão de penapor trabalho, em que cada dia trabalhado reduz um dia na pena dopreso. No caso do estudo, isso não é garantido, seria umestímulo e um reconhecimento do investimento em educação”, acrescenta. Outra recomendaçãoé que sejam aprovadas com urgência pelo Conselho Nacionalde Educação as diretrizes nacionais de educaçãonos sistemas prisionais. Elas foram elaboradas em 2006 e serviriamcomo norteadoras para que cada estado pudesse elaborar sua própriapolítica. A relatoria faz parteda Plataforma Dhesca (Direitos Humanos Econômicos, Sociais,Culturais e Ambientais), que articula 34 organizações eredes de direitos humanos. Na audiência pública estarápresente também o relator especial da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) para Educação,Vernor Muñoz.