Em Recife, Noite dos Tambores Silenciosos renova compromisso com luta dos negros

24/02/2009 - 11h56

Juliana Cézar Nunes
Enviada Especial da Rádio Nacional
Recife - O silêncio e a escuridão marcaram a meia-noite daterça-feira de carnaval, quando os tambores das 23 naçõesde maracatu de baque virado calaram-se para homenagear osantepassados negros do povo pernambucano. Apagaram-se as luzes no pátioda Igreja do Terço.O espaço é simbólico.Foi usado para a comercialização, castigo e atémesmo sepultamento dos que foram escravizados na África etrazidos para Pernambuco. Hoje, reis, damas e batuqueiros recriam acorte real em um dos momentos mais especiais do carnaval de Recife: aNoite dos Tambores Silenciosos.Nem a chuva torrencial quealagou as ruas do bairro São José afastou foliões,religiosos, líderes sociais e políticos. No Pátiodo Terço, em meio a construções coloniais eabandonadas, eles renovaram o compromisso com a luta dos negros, queainda enfrentam preconceito e segregação.Cercade 20 mil pessoas se uniram à meia-noite para ouvir obabalorixá Raminho de Oxóssi reger o coro demães-de-santo que rezam com ele aos antepassados, evocandoancestrais das nações nagô. Robson Oliveirarecebe a benção do babalorixá há 10 anos.Ele faz parte do Maracatu Axé da Lua e representou este ano asbaianas no bloco da nação. “Os maracatus debaque virado se reúnem e fazem uma louvaçãoevocando a alma desses ancestrais para que eles tenham o descansoeterno e nos abençoem pelo restante do ano. Todo ano eu venho,não perco por nada nesse mundo. Tenho uma sensaçãode dever cumprido por estar reverenciando os antepassados. Issotambém é uma forma de demonstrar respeito, alémde participar da cultura”, disse ele.O pátio onde serealiza a Noite dos Tambores Silenciosos, durante o carnaval, recebeo nome de Pólo Afro Luiz de França, em homenagem a umbabalorixá de Olinda que liderou até 1997 a NaçãoMaracatu Leão Coroado, criada há 146 anos. Françalutava contra o racismo em Pernambuco.Para Vera Barone, daSociedade de Mulheres Negras de Pernambuco Uiala Mukaji, essa lutaainda faz muito sentido. Na noite dos tambores, ela rezou, mas tambémdenunciou casos de intolerância em Recife.“A genteaqui em Recife e em Olinda vive muitos casos de intolerância.Seja cultural, seja racial, seja religiosa. Então, agoramesmo, estou sabendo que em uma igreja católica do bairro daMangueira, aqui em Recife, tem uma missa chamada Missa dos Anjos, e opadre, de uma certa maneira, impede que as pessoas vestidas de brancoparticipem, por entender que aquela missa é só paracristão e não para quem é do candomblé”,afirmou Vera.“Nós entendemos que todos os templosreligiosos devem estar abertos para quem tem fé e para quemnão tem. Vai ser mais uma ação que precisaremosfazer nos próximos dias para fazer valer a liberdade de crençae culto.”Segundo o prefeito de Recife, João daCosta, o governo local tem atuado no sentido de garantir a promoçãoda igualdade racial. Uma diretoria para tratar do assunto funciona naSecretaria de Assistência Social.Políticas decombate ao racismo institucional na saúde, por exemplo, têmsido elogiadas pelo movimento social negro, que tambémreivindica a criação de uma secretaria específicade políticas de promoção da igualdade racial. Oprefeito afirma que essa estrutura pode ser discutida.“Nossapreocupação é formular políticas e queessas políticas sejam transversais e tenham eficiência eproduzam resultados na melhoria de qualidade de vida do povo. Aestrutura para isso funcionar é sempre uma possibilidade quepode ser discutida”, disse João da Costa.As nações de maracatu atuam nãoapenas no carnaval. Elas são ponto de referência para ascomunidades. Promovem cultos religiosos e oferecem cursos de músicapara jovens e crianças. Os integrantes das naçõessão considerados exemplos a serem seguidos. Que o diga oartista popular Sandro José Feitos, rei da naçãode maracatu mais antiga, a Maracatu Elefante. Ele lidera uma naçãode 209 anos.“Ser o rei da nação éseguir a tradição. Essa noite dos tambores representauma celebração muito importante contando a históriados negros, dos africanos, que não tinham direito a umaigreja, nem para tomar banho, dormir e descansar em paz. Por issoficou marcada essa data. Para mim é uma honra estar aqui.”