Com visão empresarial, Filhos de Gandhy faz desfile de mais de R$ 1,2 milhão

23/02/2009 - 0h52

Luciana Lima
Enviada Especial
Brasília - A prosperidade do maior afoxé do mundo, o Filhos de Gandhy, na opinião do diretor do Conselho Fiscal do bloco, Altamiro Alves, veio da capacidade de aliar características empresariais com a tradição. Em um ambientede fortalecimento dos grandes trios elétricos, com um caráter mais comercial que cultural, muitos afoxés (cortejo de rua formado só por homens e com raízes na cultura africana) da Bahia estão enfraquecidos ou desapareceram. Mas o Gandhy cresce a cada dia e, neste ano, quando o bloco completa 60 anos, a riqueza do seu carnaval ficou patente na fantasia, nos dois carros com som muito mais potente que os anos anteriores e na utilização detecnologia. O carnaval do Gandhy seguramente custou mais de R$ 1,2 milhão”, assegura Alves. “Patrocinar o Gandhy é garantia de um retorno de mídia. O Gandhi está no Guiness Book, é considerado o maior afoxé do mundo. OGandhi tem visibilidade estadual, nacional e internacional. Isso chama opatrocinador”, considera Alves, que também é gerente de uma agência de umgrande banco, um dos patrocinadores do bloco.Além da instituição financeira, o Gandhy recebeupatrocínio de uma grande rede de móveis e eletrodomésticos e de umaempresa de telefonia, além recursos do governo da Bahia, daprefeitura de Salvador e do governo federal.Nesse contexto, manter a tradição virou um dos principaisdesafios da direção do bloco, que acredita ter encontrado um equilíbrio capaz degarantir o carnaval cada vez maior. "Sou do Gandhy desde 1990, quando o bloco ainda erapobre. Tínhamos apenas uma corda de sisal amarrada à cintura. Não havia nem trioelétrico”, relembra  Marco AntônioPereira dos Santos, 44 anos, membro da diretoria. Realidade bem diferente do Gandhy que desfila no carnaval de Salvador neste ano, com dois trios elétricos, equipados com painéisdigitais, e que aspergem água aromatizada com alfazema. Uma mudança simbólica dos novos tempos foi a substituiçãodas imagens dos orixás, antes apareciam em telas pintadas a mão, por imagensprojetadas em um painel digital na frente dos carros. As imagens eramintercaladas com a exibição das marcas dos patrocinadores. Para Altamiro Alves,esse fator não faz com que a tradição do bloco se enfraqueça. “Mantivemos omesmo padrão das imagens dos orixás. lém disso, o Gandhy veio com um carro muito maior, muitomais potente, à altura do maior afoxé do mundo”, defendeu. “Além disso, fizemosuma valorização da cultura local, com a projeção de imagens do Pelourinho e doTaj Mahal, em referência à Índia, ao Mahatma Gandhi e à Bahia. Umaviagem, ligando um ponto ao outro”, completou.Nos últimos anos, o bloco teve um crescimento muito maisintenso com a chegada de integrantes de classe média alta, brancos,freqüentadores do carnaval de trios elétricos da Bahia.“Queremos é receber as pessoas que gostam do Ganhdy, maseles não vão poder interferir naquilo que é a raiz do afoxé. O toque do Gandhyvai continuar o mesmo, o ijaxá. O xirê [cântico de orixás, na linguagem Iorubá], que écantado na saída, vai continuar o mesmo. Vamos continuar fazendo o Padê,que é aoferenda feita na rua para Exu [orixá das ruas], para que ele nos dê paz etranqüilidade, para que tome conta das ruas”, destacou Alves.O diretor social dos Filhos deGandhy, Jair Gomes da Silva, observou que a chegada dos turistas ao bloco foiencarada como um exemplo de como se deve agir em relação à questão racial. “OGandhi é uma nação. Temos diretores aqui que parecem até alemães, brancos dosolhos azuis. Não temos preconceito nenhum. O que nós queremos é difundir acultura da paz entre os povos. Nosso objetivo todo é esse. Temos aqui do gariao juiz de direito”, destacou Jair, com a visão de quem vive o cotidiano dainstituição. “Por isso, colocamos nossa fantasia ao preço de meio saláriomínimo, dividido em cinco vezes, em todos os cartões de crédito”, completou.Uma das formas de garantir que o bloco não ficará elitizadodiante da crescente participação dos mais ricos é o subsídio no custo dafantasia para os associados negros, com menor poder aquisitivo e sócios hámais tempo do bloco. "Uma pessoa que chega hoje no bloco vai pagar pelafantasia R$ 360. Já o afro-descendente, associado há mais tempo, paga R$ 220”,explicou Altamiro Alves.A participação do ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, umdos patronos do bloco, também teve um papel importante para a captação derecursos. Gil já foi vice presidente da instituição e o desfile dos Filhos de Gandhy é um dos momentos em que pode-se verGil saindo a pé, tocando agogô, ao lado dos demais patronos. Alves destaca que ter sido inserido na Lei Federal deIncentivo à Cultura (Lei Rouanet), possibilitou que as empresas chegassem.“Dessa forma, os empresários sabem que terão o retorno garantido”, destacou. ALei Rouanet é gerida pelo Ministério da Cultura  e prevê incentivos fiscais a empresas e indivíduos patrocinadoresde projetos culturais.A contrapartida social do Gandhy, de acordo com Alves,atinge a comunidade negra do Pelourinho, que lucra com a confecção e venda dasalpercatas (sandálias) da fantasias, com a venda dos colares nas cores azul ebranca, símbolo do bloco, na montagem dos turbantes, que são moldados pelasturbanteiras na cabeça dos integrantes a um preço de R$ 7,00.Outro projeto é o Gandhy Mirim que, por falta de uma sedemaior, deixou de funcionar em 2006, mas deverá ser retomado neste ano na sedenáutica do clube que foi doada pela prefeitura de Salvador. Essa sede ficalocalizada no bairro da Ribeira, periferia da cidade, e abrigará o projeto queoferecer cursos gratuitos de informática, artesanato e percussão para crianças ejovens carentes. Além disso, o Gandhy contribui para o funcionamento de terreirosde Candomblé. O afoxé está ligado aos terreiros mais importantes da Bahia como oGantois, a Casa Branca e o Axé Opofunjá.“O Gandhi não quer perder suas raízes, que são osestivadores, os negros, o pessoal da camada mais pobre. Essas pessoas continuamsendo valorizadas. Recentemente, as pessoas de classe média alta têm procuradoo Gandhi. Estamos fazendo de tudo para modernizar, sem perder as raízes”,destacou Alves.