Marco Antonio Soalheiro
Enviado Especial
Ouro Preto (MG) - “Apesar da crise, oBalanço da Cobra não demitiu nenhum folião.” Abem-humorada sátira à situação econômicamundial é de um bloco que reúne cerca de 200 amigos edesfila há 34 anos pelas ruas e ladeiras da cidade. O som éo das tradicionais marchinhas de carnaval.A idealizadora dobloco é a botânica e produtora de cachaçaartesanal Cida Zurlo, de 60 anos. A cada ano, um artista plásticofaz as camisetas vestidas por intelectuais da cidade e gente devárias partes do país que se junta ao grupo nas ruas.As frases saem na hora, são levadas em cartazes e nãohá um fato político ou social polêmico que escapeda criatividade dos “compositores”. Neste ano, porexemplo, uma das frases faz uma alusão velada ao casteloconstruído pelo deputado federal Edmar Moreira no interior deMinas Gerais. “O castelo é demais. É de maracutaia”,adiantou Cida. “Fazemos um deboche”, resumiu.A oportunidade de aliar folia e recados sobre oque incomoda a sociedade foi o que seduziu o advogado de BeloHorizonte Altamiro Duarte, de 38 anos, também envolvido noBalanço da Cobra. Ele explicou a simbologia do mascote: “Éum bicho esperto, que sabe manejar. E nós sabemos destilar onosso veneno bem-humorado, um veneno do bem.”O engenheiro metalúrgico José VandirNunes, que todos os anos deixa Vitória para se juntar aoBalanço da Cobra, faz uma ressalva. “Tem hora que écomo malhar em ferro frio, porque a gente fala e as coisas nãovão melhorando muito”, afirmou o sorridente capixaba,apreciador confesso da cachaça ouro-pretana, feita com ervasafrodisíacas. “Como o bloco sai na segunda-feira, ébom, porque já está todo mundo calibrado.” A professora Socorro Palmieri disse, em tom debrincadeira, que pessoas com menos de 25 anos não sãoaceitas no bloco. Mas, na prática, ela quer mesmo épassar a paixão adiante para as filhas. “Essas marchinhasnão vão morrer nunca e eu, trazendo minhas filhas, comcerteza elas vão trazer as filhas delas”, ressaltou Socorro.É também com filiaçãopraticamente hereditária que se mantém o ZéPereira dos Lacaios, bloco mais antigo do carnaval ouro-pretano,fundado em 1867 pelos então funcionários do paláciodo governo. Características originais são mantidas,como a presença dos catitões (bonecos com mais de doismetros de altura) e de crianças vestidas de diabinhos comlanças que tiram faíscas do calçamento. Outro bloco diferente do carnaval na antigacapital de Minas Gerais é a Bandalheira FolclóricaOuro-Pretana (Bafo), pioneira nos desfiles vespertinos. Parasatirizar os tempos da ditadura militar, os foliões marcham emritmo acelerado pelas ruas pessoas, vestidos de calça preta,camisa branca, com um penico esmaltado na cabeça e um rolo depapel higiênico na cintura.“O papel higiênico é um arma contrao que o penico representa. Ele serve para higienizar”, explicou ofundador do bloco, Virgílio Alves. Ele conta que o primeirodesfile foi com apenas 17 pessoas e hoje o bloco reúne mais de200 pessoas, sem compromisso com a melodia ou a qualidade da batida. Cida Zurlo considera natural ritmos como o axée o funk estarem presentes no atual carnaval ouro-pretano, masdefende que sejam proibidos no centro histórico, por umaespécie de coerência cultural. “O centro daqui tem queser como o de Olinda, o de Recife, com um carnaval mais tradicional”.A tese é reforçada por VirgílioAlves: “Tem que preservar também a arte dos grandescarnavais, das marchinhas e dos chorinhos. Virou bagunça. Essenegócio de funk e axé tem que deixar para láou arrumar um canto isolado para eles”, defendeu Alves. No modelo instituído pela prefeitura deOuro Preto neste ano, foram montados palcos em diferentes pontos docentro histórico, cada um reservado a um estilo musical. Têmseus espaços os sambas antigos, o axé, o funk, ohip hop, grupos musicais evangélicos e católicos.Blocos com até 2 mil integrantes podem desfilar pelas ruas,independentemente do ritmo que os impulsiona.