Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A Constituição Federal trouxe formas de igualar oportunidades entre negros e brancos e chances de rever problemas históricos. No entanto, vinte anos depois de publicada a Carta, representantes do movimento negro na Constituinte avaliam que, além dos direitos que se tornaram "relativos" e ainda não saíram do papel, há reivindicações que tramitam há anos como o Estatuto da Igualdade Racial. "Conseguimos ir a frente em muitos pontos, mas de forma relativa. O sistema foi criado para manter os interesses dos que estão no poder e busca sempre meios de manter privilégios por meio, inclusive, da própria legislação", afirma a doutora em filosofia Helena Theodoro, uma das representantes do Movimento Negro na Constituinte.Helena participou de inúmeras audiências públicas, em Brasília, entre 1987 e 1988. Ela acompanhou de perto o trabalho de representantes da sociedade e de parlamentares na Subcomissão de Negros, Indígenas, Pessoas com Deficiência e Minorias, que resultou em um anteprojeto, aprovado em parte pelo Congresso Nacional. Entre os pontos aprovados, ela destaca a liberdade de religião e a posse de terras para as comunidades remanescentes de quilombos, embora ressalte que a titulação ocorra de forma lenta. "Isso fez parte de um processo de democratização. Era para fazer com que a escravatura – algo terminado – fosse finalizada com a cessão de terra para os que lidaram com ela durante anos, mas isso não acontece até hoje.”A secretária de Assistência Social do estado do Rio, a ex-constituinte Benedita da Silva (PT-RJ) também cita a garantia de terras aos quilombolas, mas destaca a Lei Caó, que define o racismo como crime imprescritível e inafiançável. “É claro que sofri com isso [racismo]. Trago no corpo uma marca”, contou ao relembrar o preconceito na própria Constituinte."Recebia críticas em papel higiênico, mandando eu ir ao tanque e outras coisas horrorosas", relembrou. Para ela, o preconceito estava ligado às discussões sobre a regulamentação do trabalho doméstico e as ações compensatórias para grupos discriminados como cotas em universidade e no mercado de trabalho. Pontos polêmicos, que não foram aprovados na Carta."A lei de combate ao racismo foi importante, mas não a ponto de acabar com as diferenças entre brancos e negros”, disse. “Há pouco recebemos um relatório que mostra distorções entre negros e brancos em diversas áreas como saúde e educação", informou Benedita ao citar os trabalhos do economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Hoje, Benedita da Silva - que também foi a primeira senadora negra do país – defende o Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação no Congresso. O documento reúne propostas não aprovadas durante a Constituição. Mesmo assim, avalia que com a aplicação dos direitos constitucionais, o país avançaria. "Não tenho dúvidas. Se a Constituição for cumprida, haverá justiça", afirma a ex-deputada.A professora Helena Theodoro também defende a Constituição. Mas acrescenta que o caminho para o fim do racismo está na educação e destaca a importância da lei, que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileiras nas escolas. A proposta foi discutida durante a Constituinte, mas só foi aprovada no Congresso no final da década de 90 e sancionada há cinco anos."Precisamos de um processo capaz de provocar mudanças profundas", acredita. "A sociedade brasileira não possibilita o acesso de todos a uma educação de qualidade, reflexiva, que permita a transformação e a conscientização sobre seus próprios direitos."