Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Uma legislação que permita a interrupção da gravidez em casos de anencefalia faculta às mulheres o direito de decidir, mas não obriga ninguém a abortar. Para a socióloga Maria José Fontelas, representante do Movimento Católicas pelo Direito de Decidir, esse é um dos pontos considerados cruciais na discussão sobre o tema.Maria José lembra que o Estado brasileiro é laico e avalia que muitos argumentos contrários à interrupção desse tipo de gestação são “expressão de doutrinas religiosas específicas”. “É de pleno direito que expressem seu pensamento. No entanto, o Estado brasileiro não pode se vincular por definições religiosas.”Ela pondera que, atualmente, as mulheres que decidem manter a gravidez mesmo com o diagnóstico de anencefalia têm sua decisão respeitada, enquanto aquelas que optam pela interrupção precisam recorrer à Justiça para conseguir o aval.Desde 1989, foram concedidas mais de 3 mil autorizações judiciais permitindo que mulheres interrompessem a gestação em casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida fora do útero, como a anencefalia. Grande parte dos processos contemplava mulheres pobres e usuárias do sistema público de saúde e, portanto, não há estatísticas seguras sobre quantos processos foram negados.“É tortura uma gravidez que terá como fruto a morte. Cacilda Galante [mãe de Marcela de Jesus, bebê diagnosticado com anencefalia que sobreviveu um ano e oito meses] foi respeitada, teve sua filha e cuidou dela até a sua morte, mas outras não. Não oferecer a possibilidade de interromper o processo é tratar as mulheres como coisa.”Para o bispo Carlos Macedo de Oliveira, representante da Igreja Universal do Reino de Deus, a descriminalização “desse tipo de aborto” não deveria esbarrar em discussões religiosas e o bom senso deve ser privilegiado. “O tema é de altíssima sensibilidade, mas não devemos apelar para as emoções e sim para a racionalidade. O aborto não é um assunto que se limita a ser polêmico. A discussão sobre anencefalia reacende o tema, que parecia ter sido postergado. Deus dá a todo ser humano o direito ao livre arbítrio. Defendemos que a escolha seja da mulher.”Para o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) Luiz Roberto Barroso, a interrupção da gestação por anencefalia não se caracteriza como aborto, já que o procedimento pressupõe uma “potencialidade de vida”, o que não ocorre após o nascimento de bebês anencéfalos.Os posicionamentos dos representantes do Movimento Católicas pelo Direito de Decidir, da Igreja Universal do Reino de Deus e da CNTS foram apresentados em audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), na última terça-feira (26), que também contou com a participação de entidades contrárias à interrupção da gravidez em casos de anencefalia.O debate prossegue hoje (28), com o objetivo de instruir os ministros do Supremo para o julgamento da ação que propõe a garantia do direito à antecipação terapêutica do parto nesses casos. A expectativa do relator, ministro Marco Aurélio Mello, é que a ação comece a ser julgada até novembro.